
Memórias do Galo.
Tive inúmeros bichos de estimação na minha infância. Desde cachorros, gatos, coelhos, micos, galos... Minha mãe chegou a acreditar que eu seria veterinário. Entretanto o que espantava não era a diversidade dos animais, mas sim as qualidades inusitadas que alguns possuíam.
Aos oitos anos tive um cachorrinho chamado Sheique que caía em prantos quando eu me fingia de morto. Eu ficava imóvel estirado no chão, ele não parava de choramingar e lamber o meu rosto enquanto eu não me levantava. Difícil de acreditar? Pois, eu juro! Nota-se que não há como digitar essa crônica de dedos cruzados.
Tive uma cadela chamada Samantha que era centroavante do meu time de futebol. É claro que ela não conhecia as regras do jogo. Mas corria feito doida atrás da bola, tentando abocanhá-la. Como a bola era maior que sua boca; de focinhada em focinhada ela driblava seus adversários e marcava vários gols- alguns contra- também derrubava muita gente durante a partida. Samantha não tinha muito senso de direção, nem espírito esportivo. Quando finalmente abocanhava a bola era o fim da brincadeira. Depois de furar umas cinco bolas, ela foi expulsa do time. No entanto entre todos os meus animais de estimação o mais terrível e temido foi o Galo.
Zetti (nome dado em homenagem ao ex-goleiro do São Paulo) era um galizé, uma espécie de galo pequeno um pouco maior que uma pomba. Entretanto sua aparência inofensiva era uma cilada. As pessoas se aproximavam e diziam; Olha que galinho bonitinho! Ele eriçava as plumas do pescoço, em posição de ataque e esporava as canelas e calcanhares de suas vitimas. Em pouco tempo se tornou o terror da vizinhança. Eu morava perto de uma escola, muitas crianças transitavam em frente a minha casa, o Galo escapava pelas frestas do portão e avançava em todas elas, sem distinção de sexo, religião, ou cor. Eu ficava da janela gargalhando enquanto as criançinhas fugiam apavoradas. Havia uns moleques valentes, que munidos de paus e pedras desafiavam o Galo, mas ele botava todos para correr. As visitas ignoravam o cachorro, que não era manso, e pediam para prender o Galo. O que era muito difícil, pois o Galo dava um jeito de escapar por entre nossas pernas e descia a espora nas visitas. Logo a rua da minha casa ficou deserta, e as visitas escassas.
Como se fosse pouco, o Galo deu uma surra no cachorro para provar quem era o rei do quintal. Começou a atacar os de sua própria casa, o que nos obrigava a usar calças jeans grossas para não ter os tornozelos esfolados. Um dia o Galo invencível foi vencido pela velhice e bateu as esporas. Entre todas as crianças do bairro fui a única a ficar infeliz.
Ricardo Chagas
Publicado na Folha de Londrina 23/09/09