
Minha Capitu
Os olhos dela marcaram minha vida, do mesmo modo que os olhos de Capitu marcaram Bentinho. Dizem que você reconhece sua alma gêmea pelo brilho no olhar. Não acredito nisso, mas os olhos dela brilhavam como eu nunca tinha visto antes e jamais voltei a ver.
Seus cabelos negros deslizavam sobre seu rosto lívido. Um contraste apaixonante. O primeiro amor. Parece um sentimento infantil, entretanto só quem realmente o viveu sabe o quanto ele pode ser avassalador. Durante dias trocamos olhares, sorrisos e tchauzinhos. No entanto, mesmo pertencendo à geração que revolucionou os relacionamentos amorosos, éramos tímidos. Nenhum de nós teve coragem de tomar a iniciativa.
Houve vários encontros eventuais; um vale a pena ressaltar. Estava em um ginásio esporte, lotado; final de campeonato. Abria caminho pelo corredor me espremendo por entre dezenas de pessoas. Fiquei preso em um canto. Adivinhe com quem? Eu e ela presos contra a parede. Dois corpos comprimidos pela força da multidão. (intervenção divina?). Seus olhos tão próximos que ofuscavam minha visão, nossos lábios quase se tocando... O que eu fiz? Fugi; feito a criança que eu era. Desperdicei um presente do céu.
O nosso primeiro e último beijo aconteceu por iniciativa dela. Eu estava nervoso, creio que beijei pessimamente; tentava um diálogo envolvente, mas tropeçava nas palavras. Ela parecia irritada, talvez por ter se desapontado comigo, ou por ter sido obrigada a tomar a iniciativa, ou as duas coisas. Não me lembro de como foi à despedida, sei que no outro dia não tive coragem de me aproximar, por maior que fosse minha vontade, as pernas não obedeciam. Ela mandou recado por uma amiga dizendo para eu ficar ao lado dela. Eu obedeci, mas fiquei paralisado ao seu lado, quis dizer algo, os lábios se moveram, porém sem som algum. Nunca mais trocamos palavra alguma.
Os anos passaram. Sofri ao vê-la nos braços de outros garotos, mas dei continuidade a minha desastrosa vida amorosa. Até que um dia, caminhando distraído pela cidade, observando as vitrines, esbarrei em alguém. O que seria de nossas vidas sem esses encontros ocasionais? Era ela. Os dois se assustaram ao se reconhecerem, arriscaram um sorriso tímido, e um ''oi'' desajeitado, depois seguiram seus caminhos. Após todos aqueles anos, pude ver seus olhos outra vez. Não havia aquele mesmo brilho transcendental de antes, porém ainda existia uma fagulha cintilante. Dom Casmurro terminaria dizendo que nunca esqueceu os olhos de Capitu, mas creio que não é necessário dizer isto.
Ricardo Chagas
Publicado no Folha de Londrina 28/01/09
Meu Deus.....até parece mentira ter alguém com esse talento todo tão perto da gente!!
ResponderExcluirSimplesmente demais!!!!!!!!
Valeu, Marli desse jeito vou acabar acreditando srsrs
ResponderExcluirAdoro vc
bjs
Parabéns! Seus textos são incriveis, fiquei em dúvida de qual gostei mais! Mas ficaria com a melhor frase de cada um deles. Tentei achar o texto que vc ganhou o concurso literário mas foi em vão. Não encontrei. Bjos. Parabéns novamente!
ResponderExcluirFico muito feliz com seus elogios Miline, o texto que vc quer não foi publicado aqui devido ao conteúdo, um pouco pesado, e tbm ao tamanho, um pouco extenso. Mas enviaria com todo o prazer por e-mail pra vc, é só me enviar o endereço
ResponderExcluirUma boa crônica. Também procurei o texto vencedor. Você me concede o privilégio da leitura?
ResponderExcluirAbraços.