sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Desastres do amor


Desastres do amor


Quis o destino que ele fosse um romântico. Justo na época em que o romantismo tornou-se uma banalidade. E procuraria o amor nos lugares mais impróprios possíveis, o que resultaria numa série de incontáveis desastres.
No prezinho se apaixonou pela garota de cabelos encaracolados, esculpiu para ela um coração vermelho feito de massa de modelar. Como não tinha muita aptidão artística, à escultura não lembrava um coração, mas sim, um pedaço de pizza mastigado e posto para fora. A garota não compreendeu a obra surreal e o denunciou para a professora, que o puniu por mau comportamento.

No primário se apaixonou pela garota de cabelos loiros, e ofereceu a ela um iogurte de morango. Naquele dia descobriu-se que a garota era alérgica a lactose. E desde então todas as crianças foram proibidas de trocarem seus lanches. Ele se tornou um pária entre toda a classe. Principalmente para o garoto gordinho que trocava as frutas que trazia, por balas e paçoca.

No ginásio se apaixonou pela garota mais popular do colégio, a primeira a ter seios. Não pequenos pontinhos salientes que alfinetavam a blusa, mas grandes esferas que saltitavam durante as aulas de educação física. Ele não lembra o nome da garota, lembra dos seios, e da grande decepção que deve quando ela começou sair com um garoto mais velho, o primeiro a dirigir.
Apaixonou-se pela garota do outro colégio, a que tinha olhos brilhantes. Foi nessa época que descobriu que era um tímido. Mesmo sabendo que a garota também gostava dele, ele não conseguia se comunicar. A não ser à distância por uma estranha linguagem corporal semelhante à mímica. Ela teve que tomar a iniciativa. E ele descobriu que quando estava nervoso gaguejava, trocava as palavras, as mãos ficam úmidas de suor, o corpo teso e esquecia como se beijava...

Havia algumas garotas que se apaixonavam por ele, no entanto ele estava preocupado demais com suas próprias paixões para se importar com as paixões dos outros. E se apaixonou pela professora, pela vizinha, pela mãe divorciada do seu amigo. Comprava buquês de flores que causavam alergia, bombons suíços que tinham gosto de leite azedo, roupas que não serviam. A professora quase o reprovou, a vizinha se mudou, e apanhou do amigo para aprender nunca mais dar em cima da mãe dos outros.

Na faculdade se apaixonou pela moça de olhos verdes. Presenteou-a com dezenas de versos anônimos. Ela reuniu os versos e publicou um livro. E ficou conhecida entre os outros acadêmicos como a nova Cecília Meireles. Cansado de tantas frustrações decidiu deixar de lado o coração e cuidar da vida profissional. Talvez se conquistasse uma instabilidade financeira, conseguiria um relacionamento estável. E provou ser tão eficaz nas finanças quanto no amor. Oscilava de emprego em emprego, sempre fazendo maus negócios.

Desiludido, sem saber se entrava para um seminário, ou se virava um cafetão. Por acaso reencontrou uma antiga amizade. Percebeu pela primeira vez que sua amiga de infância, apesar de jogar bola bem melhor do que ele, não era um menino. Que atrás daquelas lentes grossas havia olhos azuis, que as sardas e o aparelho nos dentes a deixavam com um ar sensual de Lolita. E quando desmanchava as tranças tinha um cabelo bonito. Que ela tinha um ótimo senso de humor e também gostava de poesia. Descobriu o quanto é bom dizer e ouvir eu te amo, sem segundas intenções. E os dois foram felizes juntos, até que o casamento os separou.

Ricardo Chagas

Crônica publicada no jornal Folha de Londrina 03/02/20011

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