sexta-feira, 31 de julho de 2015

Gessinger: poesia em música.

Gessinger: poesia em música.

Humberto Gessinger é um dos meus artistas favoritos, creio ser um dos maiores compositores vivos do Brasil, e o coloco no patamar de outros três poetas do rock nacional, Renato Russo, Cazuza e Raul Seixas, formando assim, o meu quarteto-fantástico da música brasileira, mas, enquanto Renato, Cazuza e Raul vivem apenas em suas músicas, que continuam tocando o coração das pessoas, mesmo décadas após suas mortes, Gessinger está na ativa, tive a felicidade de ir a dois shows dele, aqui no Paraná, e infelizmente, nunca pude ir a nenhum show dos outros três compositores.  Entre minhas músicas favoritas, do artista, estão: Dom Quixote, Números, Outras frequências e a Revolta dos Dândis parte I, ambas as letras, embora subjetivas, como toda boa poesia, sendo assim, tendo múltiplos significados e intepretações distintas para cada ouvinte, despertando uma sensação ou emoção diferente, dependendo de suas experiências vividas, mas dentro da minha interpretação, as três canções referem-se a pessoas  “diferentes”, que se distinguem das demais.
 De alguma forma creio que me encaixo dentro dessa categoria, por isso digo às pessoas que convivo, e que de alguma forma me criticam, por não entender esse meu jeito: desculpe se pareço “lento” porque enquanto vocês estão numa correria louca para poder comprar um novo par de sapatos no fim do mês, eu nem reparo nos pés das pessoas, enquanto vocês fazem cálculos  para financiar o seu carro novo, eu mal sei dirigir e detesto fazer contas, enquanto vocês dizem que nessa correria ninguém tem tempo de ler, eu fico feliz com cheiro de livro novo, enquanto vocês colocam no último volume do carro o sucesso do ano, aqui estou redescobrindo o Cartola em seu O Mundo é um Moinho, enquanto vocês passam o dia fora no trabalho para garantir um futuro para o filho, eu estou ao lado do meu, garantindo o nosso presente, desculpe se ando devagar, é porque enquanto as pessoas andam se atropelando, eu prefiro dizer um bom dia, boa tarde e sorrir, e se seu pareço muito desligado, é porque estou pensando em uma dessas bobagens que costumo escrever e você lê aqui, porque como diz a música eu tenho amor pelas causas perdidas, e não há uma causa mais perdida, hoje em dia, do que se dedicar aos livros.
Ah , Gessinger ! Eu também não sei o que faço com esses números, e gostaria de amar sem medida, eu também me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui, e durante tanto tempo, estive entre um copo e outro da mesma bebida, entre tantos corpos com a mesma ferida, eu também estou na ponta dos cascos, fora do páreo, puro sangue, puxando carroça, eu também danço no silêncio, choro no carnaval, não vejo graça nas gracinhas da TV e morro de rir no horário eleitoral. Eu sei que seria mais fácil, fazer como todo mundo faz; um tiro certeiro, produto que rende mais, mas nós vibramos em outras frequências, sabemos que não é bem assim.

Eu que nem gosto tanto de música assim; sempre preferi o silêncio dos livros, aprecio tanto as poesias musicais do Gessinger, imagina se tivesse lido alguns de seus livros, sim, porque o compositor se dedica também, há algum tempo, a literatura. Fico imaginando como seria me encontrar com esse autor compositor, pedir uma dedicatória. Eu diria: “Muito prazer, meu nome é otário, vindo de outros tempos, mas sempre no horário”.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Entre Nós





Seus olhos são convidativos. Entre nós algo parecia vibrar na mesma frequência. Toquei seu braço, e apesar do calor, sua blusa era de manga longa, queria nossas peles em atrito sem o impedimento do tecido. Mas há sempre um impedimento. Minha timidez nervosa, minha inércia diante do caos, a hesitação à beira do precipício, o frio na barriga na montanha-russa. 

Ela enviou o convite na rede social quando digitava seu nome na busca, me encontrou quando eu estava à sua procura, mas as fotos e juras de amor a outro esvaíram a minha força. Não quero estragar o amor daqueles que sabem amar, nem pagar pra ver se é verdade ou equívoco. Também não quero nada de proibido, safado ou obsceno. Quero te conhecer pelo tato como crianças brincando de cabra-cega, ver seu sorriso refletir no meu, aprender a língua dos seus olhos para nos comunicar no silêncio. 

Entre nós há muros de impossibilidades. Como escavar obstáculos de mãos vazias e coração calejado? Como atingir o alvo de olhos vendados? Você segura minha mão e me ajuda a atravessar a rua? Me ensina as primeiras letras no seu caderno de poesia? 

Entre nós há um vazio sólido a ultrapassar, um véu que precisa cair antes das roupas, um beijo que precisa se dar com a alma antes dos lábios. É preciso atravessar o oceano pra encontrar o Novo Mundo. Preciso de ousadia, coragem pra enfrentar meus moinhos de vento, a sorte dos inconsequentes, a inconsciência para anular a culpa. 

Ao seu lado seguro um molho de chaves, queria segurar sua mão, o frio metálico ao invés do calor úmido, enquanto a música aquece o coração, preferia me aquecer em seu colo e fazer música com o silêncio. 

Entre nós há uma linha tênue entre o nada e o tudo. 
Publicada no Folha de Londrina em 08/10/2014