terça-feira, 26 de julho de 2016

Desencontros


Desencontros.

Ela buscou em mim um porto seguro, encontrou um barquinho perdido no meio do oceano com um tigre dentro. Eu busquei nela maturidade, encontrei uma menina birrenta, que bate o pé e mostra a língua. Mesmo assim seguimos de mãos dadas, tateando o escuro, tropeçamos, bati a canela na quina, ela esfolou os joelhos e cotovelos. Ela me esperava encontrar com um sorriso e uma carícia, e me encontrava de dentes trincados e punhos cerrados.  Ela falava de compromisso, casamento, eu dizia deixa disso, dá um tempo. Ela falava de amor, eu mudava de assunto, dizendo que tava muito calor. Eu dizia leia isso, aquilo, isto, ela dizia não ter tempo. Ela me pedia um afago, pra passar pra dar boa noite, um beijo, eu dizia que não tinha tempo.
Ela ficava na inércia esperando meus movimentos, eu vinha feito tsunami arrastando tudo comigo. Ela queria me ver de terno, eu dizia que só usaria contra minha vontade num caixão. Eu dizia que ia deixar o cabelo crescer outra vez, e dessa vez fazer dreads, ela dizia que eu tava ficando louco, já era louco, cada vez mais louco. Eu dizia que o Coringa era meu personagem favorito, justamente, porque seu superpoder é a loucura.
No teatro de quatro paredes a gente dançava em todos os ritmos: tango, funk, rock e MPB; no escuro, com as músicas tocando dentro de nós. Mas quando as luzes se acendiam tudo perdia o sentido. Eu queria que ela prestasse atenção nos meus monólogos intermináveis, ela bocejava e perguntava que horas são? Eu queria dormir, ela queria minha atenção. Ela vinha com palavras doces, eu com ironia e sarcasmo. Ela trazia um doce, eu uma garrafa de álcool. Nossos filhos brigando feito cão e gato, ela achando que tava tudo tranquilo e favorável, eu querendo me embrenhar no meio do mato, só com um facão, vara de pescar, pinga e pão com mortadela.
E nosso amor brotou, feito semente no asfalto, contra tudo e todos cresceu rumo ao sol, sem chuva, se alimentava do orvalho da noite, da luz e calor do dia, mas não é que veio o verão fez o broto queimar?

Nosso amor morreu por excesso de luz.   


Publicado no Literatura Amarga em julho.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.




Um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.

Nunca estive tão perdido como quando você soltou minha mão, daí foi como eu  descesse uma imensa ladeira, perdi os freios,  com o frio na barriga de quem está na iminência de um tombo feio, sem ninguém pra levantar do chão, pra cuidar dos esfolados, apenas algumas pessoas que ririam do tombo. Daí eu esquecia das coisas, deixando tudo pela metade, outras tantas desistia sem nem ter tentado, foi como se tudo tivesse desbotado, perdido a graça, o tom, o equilíbrio. 
Eu segui em frente como se fosse uma guerra, porque não havia como parar, não sabia como voltar atrás, queimei a garganta com álcool, como se fosse morfina. Deixei a trincheira porque  ela me parecia escura, úmida e anacrônica demais, uma cova, coisa da primeira guerra, já estávamos muito além da segunda, por isso entrei no meu tanque de guerra e passei por cima de tudo sem se importar com o estrago que deixava pelo caminho, quando se dei por mim, tudo era uma terra devastada.
É certo que houve outras pessoas que de algum modo me devolveram o sorriso, deram um tranco no meu coração pra voltar a acelerar e o grande defeito dessas pessoas era não ser você, o que elas não tinham a menor culpa. Mergulhei em amores rasos e me estrepei por inteiro, magoei as pessoas que me ofereceram o coração, como quem deixa escorregar um copo de bebida das mãos nas horas perdidas da noite e fica olhando com cara de bobo os cacos de vidro e o líquido derramado pelo chão, em um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.
Enquanto você me perguntava quantos beijos de despedidas eram necessários pra perceber que não era o fim, quantos nãos eram precisos ser ditos para ouvir um sim, enquanto você me oferecia o corpo em uma resistência dissimulada e lânguida, enquanto segurava minha mão em uma força quase nula, eu soltava mais um botão do seu jeans, enquanto tentava empurrar minha cintura com uma mão de graveto que se quebra com o vento, até os corpos se comprimirem em um aperto tão forte que verteria líquidos das extremidades.  E quando meu corpo se desfalecesse sobre e dentro de você, acreditaríamos por uns alguns segundos que permanecíamos fundidos. Até que uma palavra mal pensada, uma lembrança arredia, uma ferida não cicatrizada nos jogasse cada um, mais uma vez, na extremidade oposta das margens de um rio sem pontes.

Eu não podia mais atravessar aquelas águas turvas e barrentas pra te encontrar do outro lado, você nunca aprendera a nadar.


Publicado no Literatura Amarga em julho de 2016

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Ame feito um louco.





Abrace bem forte aqueles que decidiram entrar na sua vida, mas mantenha os braços soltos pra aqueles que decidiram partir, o coração nunca pode ser uma prisão, mas sim um abrigo aconchegante, para aqueles que decidiram ficar, um certo tempo, sobe sua proteção. Você aprende a amar quando aprende a aceitar, que algumas pessoas vão, outras veem, é certo que muitas, quando partem parecem que levaram um pedaço seu consigo, que deixaram uma trilha de devastação pelo caminho por onde partiram, mas entenda que é preciso arar a terra para plantar novas sementes, se o coração não tivesse revolvido, talvez não aceitasse um novo sentimento. Se te falta uma peça no seu peito é justamente pra se encaixar no quebra-cabeça de outro peito, um coração nunca é completo só, você passa a vida montando as peças, e só vai fazer sentido quando observado de bem longe, visto do alto.
Todos nós cometemos equívocos, tropeçamos nas próprias pernas e caímos, é mais fácil apontar e rir do que estender a mão pra outro  se levantar; deixamos de falar as palavras necessárias que estavam na ponta da língua, por acharmos desnecessárias, e as engolimos, o que torna mais difícil digerir um fim. Outras palavras que nunca deveriam ser ditas, colocamos pra fora num momento inoportuno, de raiva, de explosão, feito um espirro, um palavrão. E dissemos adeus quando é preciso dizer até logo, viramos as costas e sem olhar pra trás, quando tudo que era preciso era um abraço.  Mas tudo são escolhas, somos o resultado delas. Uma relação não pode ser como uma rodoviária, partir e voltar a todo instante, pode ser que haja  outra pessoa em seu lugar quando decidir voltar.
Há aqueles que vivem de juntar os estilhaços de uma relação, juntando as pecinhas espalhadas pelo chão, montando-as minunciosamente, feito um brinquedo de Lego, esses são os perfeccionistas, apegados, que sempre levam uma bagagem muito maior do que precisam, carregam peso desnecessário nos ombros. Outros preferem mantem o coração livre, propicio ao novo, vão leve, carregam apenas poucas coisas no bolso, esses são os loucos, amam muito e fácil, mas sabem cumprir o ritual de velar a dor de um amor em seu fim, enterrá-lo, deixar flores quando se quer lembrar.  

            Tudo são escolhas, sempre escolha amar. 




Publicado no Literatura Amarga em julho de 2016.