quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sozinhos.com.


Sozinhos.com

Eis que você tem mais de quinhentos amigos no Orkut, conhece pessoalmente pouco mais de duas dezenas, vê com freqüência meia dúzia. A janelinha do Msn não para de piscar,tanta conversa empolgada dedilhando o teclado. O brilho do monitor ofusca sua visão, tanto que chega a doer à cabeça. No e-mail você recebe vários slides com imagens bonitas, frases positivas, que você recebe e envia para centenas de pessoas. Quer mudar de aparência? Coloque umas fotos novas no seu álbum online, atualize o seu perfil no site de relacionamento. Quer saber como anda um amigo? Clique na imagem dele. Sua vida toda, e a alheia, exposta ao clicar de um botão. Não é tão bom xeretar na vida dos outros? E ainda reclamam da falta de privacidade.

Eis que o contado pessoal se tornou descartável. O sentimento digitalizado. Esquece-se que uma conversa face a face é bem melhor que trocar letrinhas coloridas e bonequinhos animados em frente um monitor inexpressível. Mesmo que se use webcam, a imagem é lenta, fria e quase estática. Nada substitui o esplendor de um rosto que se ilumina com um sorriso. Dos olhinhos que sabem sorrir por si próprios. Mesmo que esses mesmos olhos, às vezes derramem lágrimas e fiquem vermelhos de tristeza por palavras que ferem. Suas palavras não têm a sabedoria de um provérbio chinês, nem são capazes de criar frases de efeito a todo instante, mas são originais, verdadeiras. Não dedilhe um teclado empoeirado, segure a mão do seu próximo, mesmo que a mão transpire em excesso e fique trêmula no momento errado. Esquece-se que a beleza está na falha, em tudo que é humano e, portanto imperfeito.

O uso excessivo dos sites de relacionamento, pela sua instantaneidade, criou um novo tipo de ansiedade: a de ficar sempre plugado para evitar a impressão que se está perdendo algo. De fato perde-se algo. O sol que brilha lá fora. A vida que não te espera para viver, que não é conectada por cabos, mas por frágeis laços afetivos que podem romper com o tempo, com a falta de convivência No entanto se fortalece com um abraço, um aperto de mão, uma palavra amiga, um gesto de carinho. Você não vai preencher seu vazio existencial com pixels, megabytes o escambau. Só irá preenchê-lo com amor.

A internet criou um ciclo de contados superficiais que talvez aumentem seu circulo social, mas não é capaz de suprir suas necessidades afetivas mais profundas. O virtual é sinônimo de irreal. Por isso tire seu computador da tomada, e vá viver. Não seja um solitário online. Não acesse o Sozinhos.com. Não permita que sua vida vire um Fake.


Publicado no jornal Paraná Centro 27/11/11

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Amor se foi.


O Amor se foi.

Meu bem o Amor se foi, não se despediu. Não reclamou da toalha molhada sobre a cama, da falta de dinheiro, ou da educação dada às crianças. Não deixou nenhum bilhete na geladeira, acho que não vai voltar. Acho que, sistemático que é, ofendeu-se por não notarmos sua ausência durante dia comum e partiu em silêncio. No entanto deixou aos nossos cuidados seu filho caçula, que se chama Saudade.

Mas meu bem, Saudade chora tanto. Chora quando ouve aquela canção antiga no rádio, quando se deita na cama grande e vazia, quando reconhece algum cheiro na fronha do travesseiro; chora até mesmo, quando recebe carícia de outra pessoa. E esse choro é de um silêncio tão triste que chega a doer na alma.

Saudade é como se fosse um filho nosso agora. Vamos perder noites de sono com o seu choro, ter que lidar com a revolta e insensatez de sua juventude, por fim, seu amadurecimento. Saudade é como se fosse um de nossos filhos, porém ao contrário de nossas outras crianças, nunca nos dará alegria ou orgulho.

O Amor se foi. Fica essa marca de batom no livro que emprestei, outros tantos levou consigo, nunca mais vou ler. Fica o DVD que assistimos juntos, deitados no sofá, o final feliz não será mais o mesmo. Fica uma peça de roupa intima esquecida na gaveta de meias, intocada. Ficam os últimos versos que rabisquei pensando em nós; amassei, viraram bolinhas de papel. Ficam os porta-retratos, cartas, bilhetes, esquecidos em uma caixa de sapatos, empoeirados.

Sei que ainda há Paixão e Atração, mas o Amor se foi, breve eles irão também. É melhor fechar a porta antes que venha o Ódio e a Traição. É melhor trancar as janelas antes retorne a Mágoa e o Rancor. Vamos fechar a casa e tirar férias. Mas eu quero ir para a praia, você para a capital. Quero ir para o norte e você para o sul. Você quer visitar o seu pai, eu a minha mãe. Você quer ir para a cidade grande, eu para o interior. Então é melhor cada um seguir sua própria viagem. Quem sabe não encontramos outro lar. Cuide da Saudade, prometo buscá-la aos fins de semana.

Quem sabe a gente reencontre o Amor. Numa fila qualquer, em uma mesa de lanchonete. Num sábado ensolarado, caminhando no parque. Em uma segunda chuvosa, debaixo de uma marquise, escondendo da chuva. Meu bem, aconteça o que acontecer, não se esqueça de telefonar.



Públicado no jornal Paraná Centro 07/11/11
Folha de Londrina 23/11/11

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A escola do morro dos ventos uivantes


Entro no ônibus para subir a serra. São quase cinquenta quilômetros morro acima. Abro um livro, mas a condução chacoalha tanto, as letrinhas parecem saltitar do papel, como pipoca na panela. Começo a fitar o horizonte, uma imensidão de montanhas, vales e morros que parece não ter fim. Uma brisa suave bate em meu rosto, o que me faz suspirar. Fico remoendo sentimentos por dentro que não sei explicar, inefável. De repente o ônibus para, uma garota entra, um raio de sol atravessa a janela e ilumina o seu rosto, deixando seus olhos esverdeados, mas ela nem dá bola para mim; volto a fitar a paisagem, essa sim, agora a linha do horizonte tem um formado curvo, parece sorrir para mim.

As matas começam a ficar mais densas, as pontas dos galhos das árvores tocam as janelas, borboletas coloridas voam ao nosso redor. Será que esse ônibus sobe rumo ao céu? Há um muro enorme coberto de flores multicoloridas, um portão grande e dourado; será ali a entrada do paraíso?

Subo o morro porque tenho uma missão, devo cumpri-la. Lá no alto, pessoas me aguardam. Há tempos abandonaram suas metas e agora que retornam, contam comigo para ajudá-las. Por isso não devo titubear, tenho que superar os empecilhos e conduzi-los até o fim de suas jornadas.

Quando finalmente chego ao alto do morro, vejo que tudo é muito improvisado e precário, entretanto tenho uma missão e devo cumpri-la. Os que me esperam não são muitos, mas esperam muito de mim. Por isso me faço de orador no alto de um palanque, sem palanque algum. Vejo o rosto cansado de alguns, eles tiveram um longo dia de trabalho e agora estão aqui. Por isso me faço de palhaço para arrancar um sorriso deles. É preciso disciplina para manter a ordem, recupero a autoridade. Todos se vão satisfeitos, mas tenho que ficar, pois não há um ônibus para retornar, apenas no dia seguinte e estou muito longe de casa. Durmo em um colchão jogado ao chão. O vento uiva a noite toda, no entanto não é triste como no livro de Emily Bronte, o vento anuncia um novo tempo que começou.

Subo o morro para lecionar para jovens e adultos, que há tempos abandonaram a escola e agora voltam; minha missão é fazer que concluam seus estudos e aprendam o máximo possível, mas na verdade quem aprende com eles sou eu. Subo o morro para cuidar de minha nova vida como professor. E durmo satisfeito na escola do morro dos ventos uivantes.


Publicada no jornal Folha de Londrina 02/11/11