quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A escola do morro dos ventos uivantes


Entro no ônibus para subir a serra. São quase cinquenta quilômetros morro acima. Abro um livro, mas a condução chacoalha tanto, as letrinhas parecem saltitar do papel, como pipoca na panela. Começo a fitar o horizonte, uma imensidão de montanhas, vales e morros que parece não ter fim. Uma brisa suave bate em meu rosto, o que me faz suspirar. Fico remoendo sentimentos por dentro que não sei explicar, inefável. De repente o ônibus para, uma garota entra, um raio de sol atravessa a janela e ilumina o seu rosto, deixando seus olhos esverdeados, mas ela nem dá bola para mim; volto a fitar a paisagem, essa sim, agora a linha do horizonte tem um formado curvo, parece sorrir para mim.

As matas começam a ficar mais densas, as pontas dos galhos das árvores tocam as janelas, borboletas coloridas voam ao nosso redor. Será que esse ônibus sobe rumo ao céu? Há um muro enorme coberto de flores multicoloridas, um portão grande e dourado; será ali a entrada do paraíso?

Subo o morro porque tenho uma missão, devo cumpri-la. Lá no alto, pessoas me aguardam. Há tempos abandonaram suas metas e agora que retornam, contam comigo para ajudá-las. Por isso não devo titubear, tenho que superar os empecilhos e conduzi-los até o fim de suas jornadas.

Quando finalmente chego ao alto do morro, vejo que tudo é muito improvisado e precário, entretanto tenho uma missão e devo cumpri-la. Os que me esperam não são muitos, mas esperam muito de mim. Por isso me faço de orador no alto de um palanque, sem palanque algum. Vejo o rosto cansado de alguns, eles tiveram um longo dia de trabalho e agora estão aqui. Por isso me faço de palhaço para arrancar um sorriso deles. É preciso disciplina para manter a ordem, recupero a autoridade. Todos se vão satisfeitos, mas tenho que ficar, pois não há um ônibus para retornar, apenas no dia seguinte e estou muito longe de casa. Durmo em um colchão jogado ao chão. O vento uiva a noite toda, no entanto não é triste como no livro de Emily Bronte, o vento anuncia um novo tempo que começou.

Subo o morro para lecionar para jovens e adultos, que há tempos abandonaram a escola e agora voltam; minha missão é fazer que concluam seus estudos e aprendam o máximo possível, mas na verdade quem aprende com eles sou eu. Subo o morro para cuidar de minha nova vida como professor. E durmo satisfeito na escola do morro dos ventos uivantes.


Publicada no jornal Folha de Londrina 02/11/11

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