domingo, 4 de maio de 2014

Um palhaço triste



Um palhaço triste.


Com uma mão ela segurava com delicadeza o meu queixo, com a outra ela pintava meu rosto. Nós dois de pé no meio do salão, os corpos alinhados em linha reta; tão juntos que os narizes quase se tocavam; sentia sua respiração batendo de leve no meu rosto; seus grandes olhos verdes ofuscavam minha visão.
Naquele instante esqueci que em breve as cortinas iriam se abrir e teríamos uma peça para encenar. Esqueci todo o meu texto, que havia várias outras pessoas no salão, que se arrumavam e liam suas falas em voz alta; esqueci até mesmo que ela só estava pintando o meu rosto. Naquela posição, com os corpos juntos, os rostos próximos... Parecia o instante iminente que procede a um beijo. Deus sabe o quanto desejei aquele beijo. Desejei que a vida fosse como um teatro, que pudesse ter ensaiado antes aquela cena, que tivesse a fala adequada na ponta da língua, que nossa cena terminasse com um beijo, e que quando nos beijássemos as cortinas se abrissem e o público nos recebesse com uma salva de palmas. Mas a vida não é um teatro. Nem ao menos na ficção seriamos um par romântico.
Os lábios dela na minha frente, tão próximos, que apenas com uma leve inclinação, eu poderia tocá-los. Os poucos centímetros que nos separavam foi uma distância que eu não pude ultrapassar. Eu ali sem saber se olhava para os seus lábios, ou para seus olhos, se a beijava, ou fugia. Ela como se tivesse adivinhado meus pensamentos, largou o meu queixo e tapou os meus olhos. Depois abaixou suas mãos, ainda com o corpo próxima ao meu, sorriu e disse que havia terminado, afastou-se devagar e foi maquiar outra pessoa. Eu que nunca compreendi a linguagem das mulheres, fiquei sem entender o significado daquele gesto.

E quando as cortinas se abriram, nem mesmo as gargalhadas da plateia, a salva de palmas no final do espetáculo... Nada foi capaz de recuperar o meu ânimo. Fui para casa sem tirar a maquiagem do rosto, quando me olhei no espelho, vi que não há nada  mais irônico, do que um palhaço triste.  


Publicado no Folha de Londrina em 22/01/ 2014

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