Um
palhaço triste.
Com
uma mão ela segurava com delicadeza o meu queixo, com a outra ela pintava meu
rosto. Nós dois de pé no meio do salão, os corpos alinhados em linha reta; tão
juntos que os narizes quase se tocavam; sentia sua respiração batendo de leve
no meu rosto; seus grandes olhos verdes ofuscavam minha visão.
Naquele
instante esqueci que em breve as cortinas iriam se abrir e teríamos uma peça
para encenar. Esqueci todo o meu texto, que havia várias outras pessoas no
salão, que se arrumavam e liam suas falas em voz alta; esqueci até mesmo que
ela só estava pintando o meu rosto. Naquela posição, com os corpos juntos, os
rostos próximos... Parecia o instante iminente que procede a um beijo. Deus
sabe o quanto desejei aquele beijo. Desejei que a vida fosse como um teatro,
que pudesse ter ensaiado antes aquela cena, que tivesse a fala adequada na
ponta da língua, que nossa cena terminasse com um beijo, e que quando nos
beijássemos as cortinas se abrissem e o público nos recebesse com uma salva de
palmas. Mas a vida não é um teatro. Nem ao menos na ficção seriamos um par
romântico.
Os
lábios dela na minha frente, tão próximos, que apenas com uma leve inclinação,
eu poderia tocá-los. Os poucos centímetros que nos separavam foi uma distância
que eu não pude ultrapassar. Eu ali sem saber se olhava para os seus lábios, ou
para seus olhos, se a beijava, ou fugia. Ela como se tivesse adivinhado meus
pensamentos, largou o meu queixo e tapou os meus olhos. Depois abaixou suas
mãos, ainda com o corpo próxima ao meu, sorriu e disse que havia terminado,
afastou-se devagar e foi maquiar outra pessoa. Eu que nunca compreendi a
linguagem das mulheres, fiquei sem entender o significado daquele gesto.
E
quando as cortinas se abriram, nem mesmo as gargalhadas da plateia, a salva de
palmas no final do espetáculo... Nada foi capaz de recuperar o meu ânimo. Fui
para casa sem tirar a maquiagem do rosto, quando me olhei no espelho, vi que
não há nada mais irônico, do que um
palhaço triste.
Publicado no Folha de Londrina em 22/01/ 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário