quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Arturo Bandini e Henry Chinaski.





















Bukowski afirma, que em suas bebedeiras homéricas, pouco depois de ter descoberto a obra de John Fante, em especial o livro Pergunte ao pó, gritava: “Meu nome é Arturo Bandini, sou Bandini”. Arturo Bandini, alter ego de John Fante, assim como Henry Chinaski era o alter ego de Charles Bukowski. Qual seria o resultado da fusão entre Arturo Bandini e Henry Chinaski ? O beberão mais lírico de todos os tempos.
Há inúmeras semelhanças entre os dois personagens, ambos vivendo em quartos de hotéis, a beira da miséria absoluta, mostrando o lado obscuro dos E.U.A pós crise de 29. Mas não poderia afirmar, como fez Bukowski, que sou Arturo Bandini, reconheço-me mais em Chinask. Bandini é movido por uma ingenuidade juvenil, ao qual acredita que escreverá uma grande obra, que obterá fama e dinheiro com sua literatura, enquanto Chinaski  não crê em nada, talvez sua única crença seja que o álcool pode aliviar sua angústia existencial. Os dois autores fazem uma literatura visceral, como quem tira beleza de uma pedra. Não há nada de extraordinário em narrar à história de um jovem que vive em quarto de hotel, alimentando-se apenas de laranjas, apaixonado pela garçonete da esquina, ou o outro, alimentando-se apenas do álcool, recebendo mulheres que comungam do mesmo vicio e destinos piores. Ambos transformam o banal em lírico, miséria em poesia, e escrevem grandes obras de cunho autobiográfico.
Pergunte ao Pó, é sem sombras de dúvidas a obra mais celebrada de John Fante. Já se tratando de Charles Bukowski, não há unanimidade quanto  sua obra maior. Eu, particularmente, gosto de Cartas na Rua, onde Chinask narra as agruras de se trabalhar nas agencias dos correios norte americana, com jornadas de trabalho extenuantes e metas inatingíveis, entre uma carta e outra,  uma garrafa e outra, uma mulher e outra.
Por que ler Charles Bukowski e John Fante ? Há vários motivos. Para conhecer um lado da cultura norte-americana que o cinema comercial não mostra, para compreender aqueles que vivem à margem da sociedade, bêbados, mendigos, prostitutas, humildes trabalhadores braçais, ferrados cujo único alívio do estresse cotidiano são umas garrafas ao fim do dia, uns quadris e pernas de mulheres ao fim de noite. Fácil de se identificar? Talvez o motivo de ler as obras desses autores seja poder constatar que é possível criar uma boa literatura sem histórias mirabolantes, epopeias, grandes feitos, heróis ou amores transcendentais, é possível extrair a beleza dos cotidianos mais banais, das vidas mais simples, porque o belo não está ao redor do homem, mas sim, no interior dele, cada ser humano é uma obra literária em si.



quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Eu me recuso a ser um número


Eu me recuso a ser um número.

            Desde nosso nascimento somos instigados a nos transformarmos em números. Começamos com o número da certidão de nascimento, depois R.G, C.P.F, título de eleitor, carteira de motorista, esses números que foram feitos para nos marcar, semelhantes ao que fizeram os nazistas, ao tatuarem números nos pulsos dos judeus, esses números que muitas vezes somos obrigados a decorar, pois sem eles não somos “ninguém”, indigentes, não existimos.  Esses números que foram feitos para nos distinguir, como marcam o gado a ferro quente, esses números que somos  obrigados a carregar conosco até o fim, não é deles que quero falar, embora estejam relacionados com a minha tese.
            Somos incitados a termos boas notas na escola, há médias a serem atingidas e as notas altas separaram os bons alunos dos maus, mesmo que o aluno nota 10 tenha apenas decorado o conteúdo para fazer a prova e esquecido pouco depois de terminá-la, ele será melhor visto do que o aluno que realmente aprendeu, mas não atingiu uma nota elevada. Somos instigados a chegamos em primeiro lugar, estar no topo do pódio, a marcar mais gols, mais pontos, é necessário tirar a maior nota para passar no vestibular, no concurso. As maiores notas na carteira, o maior saldo na conta bancária, para garantir o carro mais caro, a casa mais cara, a mulher mais desejada. A lógica é simples, mantenha os números elevados, quanto mais, melhor. Adicione não subtraia, divisão é comunismo, que levou a U.R.S.S ao colapso e Cuba a estagnação. Esteja na moda, faça o que os outros fazem, use, compre, cante, veja, ouça, coma, beba, sinta como a maioria. Porque a maioria não pode estar errada, justamente porque são a maioria, e quanto mais, melhor.
            A maioria dos alemães apoiaram o nazismo, maioria dos brasileiros apoiaram a ditadura militar ( Deus, muitos ainda pedem sua volta ), a maioria dos judeus e romanos mandaram Jesus para a cruz. A maioria dos norte-americanos apoiaram a guerra no Iraque...
            Eu me recuso a ser um número, a seguir a maioria. Não por ideologias de cartilhas, ou de livros que mentimos que lemos. Recuso por natureza, por não entender os números, sempre levar bomba em matemática, não decorar a tabuada, R.G e C.P.F, por não tirar extrato bancário, não saber onde foi parar o dinheiro na carteira, não fazer planos, não calcular estratégias, não contar vantagens, não saber o que está moda, não ouvir qualquer FM, não assistir qualquer bobagem na TV. Eu sou de humanas, eu vejo tudo em letras, sinto cheiro de livros, novo e mofo, eu me recuso a ser apenas mais um número, em meio a tantos outros, em fila, em estáticas,  em índices e cotação. Tudo em mim são letras.

Publicado no Folha de Londrina em 28/10/2015

            

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Gessinger: poesia em música.

Gessinger: poesia em música.

Humberto Gessinger é um dos meus artistas favoritos, creio ser um dos maiores compositores vivos do Brasil, e o coloco no patamar de outros três poetas do rock nacional, Renato Russo, Cazuza e Raul Seixas, formando assim, o meu quarteto-fantástico da música brasileira, mas, enquanto Renato, Cazuza e Raul vivem apenas em suas músicas, que continuam tocando o coração das pessoas, mesmo décadas após suas mortes, Gessinger está na ativa, tive a felicidade de ir a dois shows dele, aqui no Paraná, e infelizmente, nunca pude ir a nenhum show dos outros três compositores.  Entre minhas músicas favoritas, do artista, estão: Dom Quixote, Números, Outras frequências e a Revolta dos Dândis parte I, ambas as letras, embora subjetivas, como toda boa poesia, sendo assim, tendo múltiplos significados e intepretações distintas para cada ouvinte, despertando uma sensação ou emoção diferente, dependendo de suas experiências vividas, mas dentro da minha interpretação, as três canções referem-se a pessoas  “diferentes”, que se distinguem das demais.
 De alguma forma creio que me encaixo dentro dessa categoria, por isso digo às pessoas que convivo, e que de alguma forma me criticam, por não entender esse meu jeito: desculpe se pareço “lento” porque enquanto vocês estão numa correria louca para poder comprar um novo par de sapatos no fim do mês, eu nem reparo nos pés das pessoas, enquanto vocês fazem cálculos  para financiar o seu carro novo, eu mal sei dirigir e detesto fazer contas, enquanto vocês dizem que nessa correria ninguém tem tempo de ler, eu fico feliz com cheiro de livro novo, enquanto vocês colocam no último volume do carro o sucesso do ano, aqui estou redescobrindo o Cartola em seu O Mundo é um Moinho, enquanto vocês passam o dia fora no trabalho para garantir um futuro para o filho, eu estou ao lado do meu, garantindo o nosso presente, desculpe se ando devagar, é porque enquanto as pessoas andam se atropelando, eu prefiro dizer um bom dia, boa tarde e sorrir, e se seu pareço muito desligado, é porque estou pensando em uma dessas bobagens que costumo escrever e você lê aqui, porque como diz a música eu tenho amor pelas causas perdidas, e não há uma causa mais perdida, hoje em dia, do que se dedicar aos livros.
Ah , Gessinger ! Eu também não sei o que faço com esses números, e gostaria de amar sem medida, eu também me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui, e durante tanto tempo, estive entre um copo e outro da mesma bebida, entre tantos corpos com a mesma ferida, eu também estou na ponta dos cascos, fora do páreo, puro sangue, puxando carroça, eu também danço no silêncio, choro no carnaval, não vejo graça nas gracinhas da TV e morro de rir no horário eleitoral. Eu sei que seria mais fácil, fazer como todo mundo faz; um tiro certeiro, produto que rende mais, mas nós vibramos em outras frequências, sabemos que não é bem assim.

Eu que nem gosto tanto de música assim; sempre preferi o silêncio dos livros, aprecio tanto as poesias musicais do Gessinger, imagina se tivesse lido alguns de seus livros, sim, porque o compositor se dedica também, há algum tempo, a literatura. Fico imaginando como seria me encontrar com esse autor compositor, pedir uma dedicatória. Eu diria: “Muito prazer, meu nome é otário, vindo de outros tempos, mas sempre no horário”.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Entre Nós





Seus olhos são convidativos. Entre nós algo parecia vibrar na mesma frequência. Toquei seu braço, e apesar do calor, sua blusa era de manga longa, queria nossas peles em atrito sem o impedimento do tecido. Mas há sempre um impedimento. Minha timidez nervosa, minha inércia diante do caos, a hesitação à beira do precipício, o frio na barriga na montanha-russa. 

Ela enviou o convite na rede social quando digitava seu nome na busca, me encontrou quando eu estava à sua procura, mas as fotos e juras de amor a outro esvaíram a minha força. Não quero estragar o amor daqueles que sabem amar, nem pagar pra ver se é verdade ou equívoco. Também não quero nada de proibido, safado ou obsceno. Quero te conhecer pelo tato como crianças brincando de cabra-cega, ver seu sorriso refletir no meu, aprender a língua dos seus olhos para nos comunicar no silêncio. 

Entre nós há muros de impossibilidades. Como escavar obstáculos de mãos vazias e coração calejado? Como atingir o alvo de olhos vendados? Você segura minha mão e me ajuda a atravessar a rua? Me ensina as primeiras letras no seu caderno de poesia? 

Entre nós há um vazio sólido a ultrapassar, um véu que precisa cair antes das roupas, um beijo que precisa se dar com a alma antes dos lábios. É preciso atravessar o oceano pra encontrar o Novo Mundo. Preciso de ousadia, coragem pra enfrentar meus moinhos de vento, a sorte dos inconsequentes, a inconsciência para anular a culpa. 

Ao seu lado seguro um molho de chaves, queria segurar sua mão, o frio metálico ao invés do calor úmido, enquanto a música aquece o coração, preferia me aquecer em seu colo e fazer música com o silêncio. 

Entre nós há uma linha tênue entre o nada e o tudo. 
Publicada no Folha de Londrina em 08/10/2014