quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A vida celebra a morte.




A vida celebra a morte.

Nada mais triste que um velório. Acho desnecessária a tradição de velar um morto por vinte e quadro horas, é um prolongamento da tristeza, do sofrimento daqueles que sentiam estima pelo falecido, quando não há tais sentimentos é no mínimo um desconforto. Os velórios pobres são ainda mais tristes. Pouca flor, poucas velas, coroa alguma.  Não só a pobreza material, mas a pobreza sentimental. Poucas pessoas compareceram, uma rodinha de pessoas do lado de fora, fumam e contam piadas. Ninguém chora; ninguém reza. Prova que o morto não fez grandes feitos em vida. 
 Meu tio sucumbiu ao álcool, o vício acabou com ele. Falavam coisas horríveis ao seu respeito, grande parte era verdade. Mas quando aquele homem emergiu da capital e se refugiou na casa da minha avó; eu no auge da minha adolescência, cheio de espinhas no rosto e problemas mais graves no interior, não vi nada de ameaçador em sua figura. Pelo contrário, tínhamos muito a compartilhar.
Eu e meu tio gostávamos de revistas em quadrinhos, ainda mais dos mesmos personagens.  Passamos tardes de sábados conversando sobre gibis, emprestava minhas revistinhas para ele. No entanto ele voltou a beber muito, minha mãe alertou que naquele estado, as revistas podiam não retornar. Ele foi várias vezes à minha casa atrás dos gibis, eu mentia que havia parado de comprar. Até que ele deixou de ir.
Agora, vários anos depois, meu filho faz gracinhas em seu velório. As crianças gostam de disputar atenção, mesmo que a outra pessoa seja um defunto. Meu filho dançava no meio do salão, as pessoas sorriam. A vida celebra a morte. Um ciclo. E eu sentindo remorsos por não ter emprestado as revistinhas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário