A vida celebra a morte.
Nada mais triste que um
velório. Acho desnecessária a tradição de velar um morto por vinte e quadro
horas, é um prolongamento da tristeza, do sofrimento daqueles que sentiam estima
pelo falecido, quando não há tais sentimentos é no mínimo um desconforto. Os velórios
pobres são ainda mais tristes. Pouca flor, poucas velas, coroa alguma. Não só a pobreza material, mas a pobreza
sentimental. Poucas pessoas compareceram, uma rodinha de pessoas do lado de
fora, fumam e contam piadas. Ninguém chora; ninguém reza. Prova que o morto não
fez grandes feitos em vida.
Meu tio sucumbiu ao álcool, o vício acabou com
ele. Falavam coisas horríveis ao seu respeito, grande parte era verdade. Mas
quando aquele homem emergiu da capital e se refugiou na casa da minha avó; eu
no auge da minha adolescência, cheio de espinhas no rosto e problemas mais
graves no interior, não vi nada de ameaçador em sua figura. Pelo contrário,
tínhamos muito a compartilhar.
Eu e meu tio gostávamos de
revistas em quadrinhos, ainda mais dos mesmos personagens. Passamos tardes de sábados conversando sobre
gibis, emprestava minhas revistinhas para ele. No entanto ele voltou a beber
muito, minha mãe alertou que naquele estado, as revistas podiam não retornar. Ele foi várias vezes à minha casa atrás dos gibis, eu mentia que havia
parado de comprar. Até que ele deixou de ir.
Agora, vários anos depois,
meu filho faz gracinhas em seu velório. As crianças gostam de disputar atenção,
mesmo que a outra pessoa seja um defunto. Meu filho dançava no meio do salão, as
pessoas sorriam. A vida celebra a morte. Um ciclo. E eu sentindo remorsos por
não ter emprestado as revistinhas.
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