sexta-feira, 29 de abril de 2016

Todo Coringa merece sua Arlequina.




Eu tenho uma queda por ela. Não essas quedinhas que a gente levanta rápido, olha para os lados e saí de fininho. Minha queda por ela é daquelas que você esfola os joelhos e cotovelos, quebra a cabeça e chama o SAMU. Daí ela surge do nada, passa horas e dias conversando comigo, daí ela corta o cabelo bem curtinho e por incrível que pareça fica ainda mais linda, daí ela aparece toda linda e maquiada e reclama da vida, daí ela de repente me conta a vida todinha, daí ela aparece de óculos e estoura meu coração já ferido de tantas batalhas perdidas, daí eu saio igual um Dom Quixote sem Sancho Pança, dando cada estilingada em moinho de vento. Ruim de mira que sou, nunca acerto minhas pedrinhas. Dou cada flechada de cupido nela, mas nenhuma acerta o coração, acho que acerto todas no rosto, porque ela fica com o rosto vermelhinho.
Então ela dá aula na minha frente e eu faço um sinal de coraçãozinho com a mão, junto com meu exército de crianças, minha infantaria rumo a mais uma batalha perdida. E um moleque esperto pergunta se eu gosto dela, eu desminto com a voz mais falsa e cínica na frente dela , pra que ela perceba minha encenação digna de um ex-BBB. Leio meu o horoscopo pra ela, com ênfase na penúltima frase:
Gêmeos de 21/05 a 20/06
A Lua entra em seu paraíso astral, sinal de que vai contar com a sorte para se dar bem em tudo o que fizer. Mas o Sol pede mais cautela. Atividades que possa ser desempenhadas de maneira isolada vão render mais. Fuja de atrito com os amigos. Caso escondido pode ficar mais tentador. Cor: marrom.
Ela sorri, um sorriso debochado e pede pra ler o dela, confesso que esqueci qual era, ela me olha com reprovação e diz que é de Libra, retruco que ela não tem nada de equilibrada, ela sorri e dá as costas pra mim. Quando leio o signo dela, não acredito no papel e sei que ela não irá acreditar se eu ler pra ela, por isso interrompo sua aula, só pra mostrar o horoscopo:
Libra de 23/09 a 22/10
O Sol traz uma fase de mudanças e incentiva o desapego. Bom momento para romper com velhos hábitos e jogar fora o que não tem mais espaço em sua vida, sejam objetos ou relacionamentos. A Lua brilha em seu signo e renova sua disposição – aproveite! Sua sensualidade está em alta no amor. Cor: ouro.
Ela me olha, pasma, com sua camiseta amarela e diz que não podemos levar isso a sério se não ficamos loucos. Loucura me lembra o Coringa que é um dos meus personagens favoritos. O Coringa de Nolan e Heath Ledger afirma que a loucura é como a gravidade, basta um empurrãozinho pra enlouquecer. Já o Coringa de a Piada Mortal do Alan Moore afirma que tudo que você precisa pra enlouquecer é de um dia ruim. Creio que ambos estão errados, tudo que você precisa pra enlouquecer é se apaixonar.
“ Você tá ferrada!”
“ Por que ?”
“ Você me dá ideias, e ideias não morrem, segundo o V do Alan Moore.”
Mostro a ela o rascunho do que estou escrevendo.
“ Mas você não era o Logan, agora o Coringa?”
“Ontem Logan, hoje Coringa, porque não posso ficar parado feito estátua, preciso de um texto por semana, você é minha cobaia até o fim do ano, e nos próximos anos, sucessivamente, nas próximas vidas e reencarnações, sucessivamente.”
Ela sorri, diz que adora o Coringa, que quis se fantasiar de Arlequina uma vez, mas o garoto se recusou a se vestir de Coringa. Afirmo que serei o Coringa dela quantas vezes for preciso. Mostro a imagem que irá ilustrar o meu blog com o nosso texto: O coringa beija Arlequina, ambos com a boca cortada e sangrando, abaixo a frase: “ why so serious, my love ?; Por que você está tão séria, meu amor?”. Ela diz que ama essa frase. Pergunto se somos almas gêmeas. Ela sorri, seu sorriso de deboche, não ficando vermelha dessa vez. Mantendo-se firme e não leva a sério nenhuma palavra que eu digo, porque acho que sou louco.
Enlouqueça junto comigo, meu amor, não fique tão séria.
Publicado no Literatura Amarga, abril de 2016.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Não olhe pra trás com rancor.



Não sei o que me causa mais dor, sua ausência, ou sua presença. A sua ausência me machuca por dentro e por fora, por dentro tem aquele vazio que doí, o oco no estômago e no peito, a palavra presa na garganta. Ia dizer, mas esqueci na metade e ficou sem sentido algum; perdida pra sempre no vazio do espaço. Daí sua imagem vai se apagando da memória, como uma fotografia desgastada pelo tempo. Do seu cheiro já não me lembro, nunca fui bom em olfato. O seu gosto ainda guardo resquícios na ponta da língua. O seu toque, esse é o que mais doí, a ausência dele. Já a sua presença é uma dor que não conheço em sua plenitude, porque fujo de você, como uma criança que foge da professora porque se esqueceu de fazer a lição de casa. Não por má educação, ou rancor, que atravesso a rua pra não cruzar de frente com você, tenho medo do seu olhar, da dor que ele pode me causar. Sei que é inevitável nós não nos trombar nessa cidade-ovo, mas busco criar meios pra adiar e evitar, assim eu não me quebro como uma frágil casca de ovo.
Aqui vou eu descendo a ladeira sem freios. Veja sem as mãos! Desço todas as ladeiras, desembestado, o vento no cabelo o deixa desarrumado, eu fico com cara de louco e pareço mais louco do que já sou. Mas eu ainda não consegui, por mais que tentei; ensinar o meu filho a andar de bicicleta, nem a sua. Só me orgulho de não ter feito promessas que não poderia cumprir.
Você se lembra de quando a gente ouvia o Oasis? Eu vidrado com a música Don’t Look Back In Anger; porque enfim tinha visto a tradução da letra e adorado. Nós dois buscávamos interpretar os versos traduzidos da música. Nós não sabíamos, mas a música era pra gente.
Por isso eu te digo, meu amor, não olhe pra trás com rancor. Quando a gente caminha, aos poucos nossa alma se afasta, vamos pra um lugar onde ninguém sabe se é dia, ou noite. Vamos deslizar o olho pra dentro da mente, lá vamos encontrar um lugar melhor pra brincar. Vamos começar uma revolução a partir de nossas camas, você disse que minha inteligência me subiu a cabeça, mas vamos passear lá fora, o verão está no auge. Nós não podemos esperar, sabemos que é tarde demais. Então tire esse olhar do rosto.
Você nunca irá queimar meu coração.
Publicado no site Literatura Amarga, abril de 2016

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Antes de dizer adeus


Na noite em que nos despedimos estava chovendo, talvez a Criação quisesse nos mostrar que as lágrimas que rolavam pelos nossos rostos não eram maiores que a águas que jorravam no temporal, que nossa dor não era mais forte que a tempestade lá fora, que riscava traços de luz no céu escurecido.
Eu hesitava em cada passo, pensando se era certo prosseguir. Diante da porta de sua casa me sentia a um passo do precipício, o vento que anunciava a chuva me dava calafrios. E aquele frio no estômago me acompanha há horas.
Na nossa despedida eu gostaria de segurar sua mão e fitar os seus olhos, decifrar qual era a cor deles no momento, se estavam azuis esverdeados, verdes azulados, depende da luz do sol, da lua, do seu estado de espírito. Mas meu esforço seria em vão, apenas iria constatar, mais uma vez, que não sei decifrar a cor de seus olhos.
Gostaria de trocar boas palavras com você, talvez às últimas, no entanto você sabe que as palavras fogem da minha boca quando mais preciso delas, por isso te deixei uma carta por debaixo da porta. Uma carta de despedida, mais uma prova da minha covardia. Do medo de encarar os seus olhos no derradeiro momento, e ver todas as minhas verdades se desmanchando no ar no instante que me lançasse um olhar triste. E assim, nunca iria te abandonar, mesmo sabendo que seu crescimento depende disso, talvez até mesmo sua felicidade. Já que costumo ferir as pessoas que amo.
E você não vai entender; vai me odiar por abandoná-la. Eu também me sentiria assim no seu lugar. Sempre houve um abismo entre nós, mesmo permanecendo lado a lado, ou um dentro do outro. Nossos corpos sempre se entenderam, dançavam no ritmo perfeito, mesmo eu não sabendo um passo de dança, pois a música tocava dentro de nós. Sei que longe de você meu corpo será castigado pela ausência do seu. Eu buscarei uma substituta barata para descarregar minha frustração, em noites regadas à álcool e música alta, e a decepção será maior ao ver que a garota nos meus braços não é você. E você fará o mesmo; desesperada em busca de diversão, apenas para esfregar na minha cara sua pseudofelicidade.
Vai demorar muito tempo até você voltar a falar comigo, e enfim perceber que foi melhor assim, quem sabe até me agradecer, por libertá-la, por encontrar um novo amor, que a ame sem medo, sem hesitações ou preconceito. Nesse instante irei admirá-la, como uma obra de arte exposta em uma galeria, protegida por um frágil cordão de isolamento, poderia ultrapassá-lo, mas não seria correto. Tenho orgulho de ter ajudado a moldar a obra de arte que você se tornou.
E mais uma vez constatarei que não sei decifrar a cor de seus olhos. Que te amo pela sua ausência. Porque amo o que não possuo, por isso abandono a tudo que amo.

Texto Publicado no site Literatura Amarga, abril de 2016

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Você Jean, eu Logan.




Você Jean, eu Logan.
                                                        
          Minha Lolita, como gostaria que você fosse Capitu e traísse o Bentinho. Mas não temos coragem de fato. Você é princesa, eu sapo; e por mais que me beijasse, eu nunca seria príncipe.
          Brinco que você é Jean Grey, ele Ciclope, eu Logan. Mas eu me corto nas minhas próprias garras, já estourei o fator de cura do meu coração. Por isso não chegue perto de mim com esses seus óculos e cara de nerd, não venha de cabelo molhado e banho tomado, assim você ainda acaba comigo, não há fator de cura que aguente. Não venha com fantasias de festa junina no próximo mês de junho, porque minhas fantasias não são de canjica, mas sim de vinhão.
           Escrevo um texto pra te arrancar um sorriso e um suspiro. No outro dia te vejo alegre e maquiada, mas sei que toda a sua alegria será descontada no Ciclope, preferia que ele me incinerasse com uma rajada. Te escrevo num guardanapo de papel na padaria, numa folha avulsa, numa tela de computador, mas na verdade gostaria de escrever com o dedo, um verso no suor da sua pele nua.
          Sua presença me causa dor e ao mesmo tempo alegria. Minha paixão platônica, minha Guerra-Fria, quero te atacar, não posso. Minha bomba atômica, explode meu mundo, nenhuma barata sobreviveria.
           Vamos formar uma dupla sertaneja chamada Jean e Logan. Cantar Boate Azul à meia-noite, só nós dois, pra lua.
           Tudo que eu mais queria é que você viesse séria dizendo: “Sou sua”. E não dissesse mais nada, que não estivesse completamente nua, porque queria tirar sua roupa como o laço de fita de um presente.
          Antes de penetrar o corpo é preciso penetrar a mente, no seu coraçãozinho deixar germinar uma semente, pra que vire broto, pra que vire flor.

          Pra um dia virar amor.

Publicado no site Literatura Amarga em abril de 2016.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Todo fim é um novo começo.




Ela vivia num céu azul, com nuvens rosa de algodão doce. Eu no céu nublado, tempestuoso. Ela seguia a estrada de tijolos amarelos, com flores nos canteiros. Eu perdido no labirinto de espinhos. Ela vivia no país das maravilhas, eu na migração pendular entre Macondo e Gothan City. Ela adormecida à espera do beijo do príncipe, meu pequeno príncipe morreu no fim. Meu conto de fadas era o Labirinto do Fauno. Ela sempre em busca de um carinho, eu tentando mostrar que toda rosa é bela, porém repleta de espinhos. Sempre odiei os Ursinhos Carinhosos, desde criança, queria fatiá-los com minhas garras de adamantium.
Ying Yang nos ensina que toda claridade tem seu canto de sombras e toda escuridão tem suas fagulhas de luz. Por isso não vamos buscar heróis, ou vilões, não sejamos maniqueístas. Nem vamos buscar culpados, a culpa é das estrelas. Vamos nos concentrar nas coisas boas, que como todas as coisas boas, duram pouco: um orgasmo, uma gargalhada, fogos de artifício no céu, o pacotinho de batata chips, o desenho feito na avulsa folha de papel. Não vamos nos machucar; cutucar a casquinha não deixa a ferida cicatrizar. Toda alfinetada deixa uma gotícula de sangue.
Embora nosso relacionamento tenha acabado da maneira mais madura possível, por indiretas no Facebook, não vamos carregar o peito de rancor, quem faz isso tosse dor, escarra ressentimento.  Por isso vamos pensar nas coisas boas, na gente conhecendo o corpo um do outro, como crianças que arriscam os primeiros passos; depois do equilíbrio alcançado, dávamos saltos mortais e  piruetas pra trás. Lembre que fui eu que te levei pra conhecer Curitiba e todo seu patrimônio cultural, embora eu desconhecesse que os museus e casas da cultura fechavam na segunda, pelo menos a gente  caminhou pelo Largo da Ordem, vazio feito salão no fim de baile. Pegamos o busão e erramos o ponto , mais que três vezes, perdidos no centro da capital, sem bússola, mapa ou bola de cristal. Te levei pra conhecer o Dalton Trevisan, embora ele tenha sido pouco educado conosco, você pôde ver a cara do Vampiro de Curitiba.
Então, meu amor, embora eu só tenha dito eu te amo uma vez; e a palavra tenha doído pra sair feito um parto, junto com ela saiu uma lágrima que brilhou no escuro do quarto, você não viu porque tava de bruços. Então siga seu caminho, se equilibre no alto da perna de pau, ande na corda bamba, sem medo da altura. Embora eu não tenha conseguido te ensinar a nadar, como prometido, coloque as boias no braço, que tenho certeza que você não irá afundar. Eu continuarei com meu andar bêbado, tropeçando nas pernas e nas palavras. Chegamos perto de encontrar o caminho, mas a estrada era ruim, chão batido e curvas sinuosas; o tempo instável. Então derrapamos nas curvas e depois atolamos. Quem sabe quando o tempo limpar, possamos seguir viagem, juntos, ou cada na sua própria estrada.
Publicado no site Literatura Amarga, março de 2016 e no Jornal Folha de Londrina 11/05/2016.