terça-feira, 21 de junho de 2016

Conto de Fadas


Ela se foi, não olhou pra trás, não se despediu. Orgulhosa, chorou no escuro, sofreu em silêncio, na espera que a salvasse no alto da torre, matasse aquele dragão aterrorizante que vivia à espreita, chamado solidão. Mas eu nunca servi pra príncipe, confundo dragões com moinhos de vento, sou um bobo-da-corte que já não faz ninguém rir. Quando ela percebeu que não seria resgatada nem com um cavalo branco ou burro-falante, desceu do alto da torre e viu que nossa primavera havia passado, o chão coberto de folhas secas, as árvores com galhos secos e retorcidos, não sobrou o colorido de nenhuma flor, só restava os espinhos e aquele vento frio que causava arrepios e uivava. Nosso conto de fadas chegara ao fim sem seu final feliz.
Eu ainda vestia minha armadura, agora enferrujada pela chuva e vento, não sairia do corpo com facilidade. Eu havia perdido mais uma batalha, o coração veterano de guerra ganhara mais algumas cicatrizes, embora não conquistasse medalha alguma. Ela ainda era uma princesa, porém sem reino, sem castelo, sem súditos, e nas noites escuras ainda pressentia o dragão à espreita. O nosso conto de fadas não foi adaptado pela Disney, não virou figurinha de chiclete, não fez nenhuma criança feliz.
Ela quis voltar, não havia lugar pra voltar, nosso conto de fadas foi consumido pelo Nada, Bastian não conseguiu salvar a tempo, virou uma História Sem Fim. O coelho correu apresado, sem que ninguém conseguisse alcançar, dormimos a espera de um beijo pra acordar que nunca veio, sapatos ficaram pelo caminho na fuga, sem que fossem encontrados, a carruagem virou abóbora e quando a rainha mandou cortar a cabeça, de fato havíamos perdido a cabeça.
No fim já não havia mágica alguma, e estávamos muito longe de um final feliz, tudo era amontoado de palavras que não foram ditas ou escritas, pressas pra sempre no calabouço, calados, mãos no bolso, chutando as pedrinhas pelo caminho que alguém deixou pra não se perder, agora não vai encontrar o caminho de volta.
Ela esperou que eu escrevesse nosso final feliz, sabia da minha mania de escritor, embora não havia percebido que eu não sabia escrever finais felizes, gostava de escrever contos, que não tinha nada de fadas, nos contos os finais sempre ficam subsentidos.
No fim tudo entre nós era um acumulado de mal entendidos, na nossa história o grande mal, foi tudo que não foi entendido.
Publicado no Literatura Amarga, junho de 2016

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