terça-feira, 1 de novembro de 2016

O nosso céu nublado.









O nosso céu nublado.

Tento esquecer, mas o facebock me mostra logo cedo uma foto nossa de um ano atrás, um casal feliz, daí tudo perde o compasso, fica fora do tom, sem foco, sem cor. Penso no que nos levou pra longe um do outro mais uma vez, se eu tive medo,  como quem anda na beira do precipício sem querer olhar pra baixo, se foram as mágoas que eram como um céu nublado para que eu não pudesse ver o sol da nossa felicidade. Desistimos, como quem perde uma longa batalha, muito longe de casa, sem saber o caminho de volta, sem saber pra onde voltar.
O caminho de volta era um campo minado, repleto de arame farpado, de trincheiras a qual nos enfiamos na tentativa de se proteger, mas de volta pra onde? A gente sabia que mais uma guerra seria o fim, tudo se aniquilando debaixo de um cogumelo atômico, por isso travamos uma guerra-fria, com espiões que buscam informações, erguendo muros instransponíveis entre nós dois, quando tudo que a gente queria era colidir de frente e que a explosão varresse tudo ao nosso redor.
Mas preferimos seguir em frente, em um voto de silêncio perpétuo.  Eu não posso ver se suas lágrimas brilham no escuro, você não pôde ver o que sangrou por dentro. Quis guardar suas lágrimas, mas elas fizeram uma curva sinuosa nas maças do seu rosto e fugiram de minhas mãos desastradas. Você quis estancar o meu sangue, mas não conseguia enxergar dentro de mim.

 Agora só posso desejar que você siga o seu caminho, mesmo que o leve pra longe de mim. Desejo a você que caminhe descalça, sem que nada fira os seus pés. Que o vento balance o seu cabelo, sem que o embarace. Que o próximo que segure sua mão, seja com firmeza e não a solte. Que aprendermos com nossos erros e acertos. E quando a roda da vida nos por frente a frente outra vez, espero te reencontrar com um sorriso e um abraço, sem nenhum resquício de rancor nos seus olhos. Que esse céu nublado seja apenas mais um dia cinza, que depois dele talvez surja um arco-íris, se não vir a gente sabe que logo mais o céu vai se abrir.  

Publicado no Literatura Amarga em Outubro de 2016

terça-feira, 26 de julho de 2016

Desencontros


Desencontros.

Ela buscou em mim um porto seguro, encontrou um barquinho perdido no meio do oceano com um tigre dentro. Eu busquei nela maturidade, encontrei uma menina birrenta, que bate o pé e mostra a língua. Mesmo assim seguimos de mãos dadas, tateando o escuro, tropeçamos, bati a canela na quina, ela esfolou os joelhos e cotovelos. Ela me esperava encontrar com um sorriso e uma carícia, e me encontrava de dentes trincados e punhos cerrados.  Ela falava de compromisso, casamento, eu dizia deixa disso, dá um tempo. Ela falava de amor, eu mudava de assunto, dizendo que tava muito calor. Eu dizia leia isso, aquilo, isto, ela dizia não ter tempo. Ela me pedia um afago, pra passar pra dar boa noite, um beijo, eu dizia que não tinha tempo.
Ela ficava na inércia esperando meus movimentos, eu vinha feito tsunami arrastando tudo comigo. Ela queria me ver de terno, eu dizia que só usaria contra minha vontade num caixão. Eu dizia que ia deixar o cabelo crescer outra vez, e dessa vez fazer dreads, ela dizia que eu tava ficando louco, já era louco, cada vez mais louco. Eu dizia que o Coringa era meu personagem favorito, justamente, porque seu superpoder é a loucura.
No teatro de quatro paredes a gente dançava em todos os ritmos: tango, funk, rock e MPB; no escuro, com as músicas tocando dentro de nós. Mas quando as luzes se acendiam tudo perdia o sentido. Eu queria que ela prestasse atenção nos meus monólogos intermináveis, ela bocejava e perguntava que horas são? Eu queria dormir, ela queria minha atenção. Ela vinha com palavras doces, eu com ironia e sarcasmo. Ela trazia um doce, eu uma garrafa de álcool. Nossos filhos brigando feito cão e gato, ela achando que tava tudo tranquilo e favorável, eu querendo me embrenhar no meio do mato, só com um facão, vara de pescar, pinga e pão com mortadela.
E nosso amor brotou, feito semente no asfalto, contra tudo e todos cresceu rumo ao sol, sem chuva, se alimentava do orvalho da noite, da luz e calor do dia, mas não é que veio o verão fez o broto queimar?

Nosso amor morreu por excesso de luz.   


Publicado no Literatura Amarga em julho.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.




Um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.

Nunca estive tão perdido como quando você soltou minha mão, daí foi como eu  descesse uma imensa ladeira, perdi os freios,  com o frio na barriga de quem está na iminência de um tombo feio, sem ninguém pra levantar do chão, pra cuidar dos esfolados, apenas algumas pessoas que ririam do tombo. Daí eu esquecia das coisas, deixando tudo pela metade, outras tantas desistia sem nem ter tentado, foi como se tudo tivesse desbotado, perdido a graça, o tom, o equilíbrio. 
Eu segui em frente como se fosse uma guerra, porque não havia como parar, não sabia como voltar atrás, queimei a garganta com álcool, como se fosse morfina. Deixei a trincheira porque  ela me parecia escura, úmida e anacrônica demais, uma cova, coisa da primeira guerra, já estávamos muito além da segunda, por isso entrei no meu tanque de guerra e passei por cima de tudo sem se importar com o estrago que deixava pelo caminho, quando se dei por mim, tudo era uma terra devastada.
É certo que houve outras pessoas que de algum modo me devolveram o sorriso, deram um tranco no meu coração pra voltar a acelerar e o grande defeito dessas pessoas era não ser você, o que elas não tinham a menor culpa. Mergulhei em amores rasos e me estrepei por inteiro, magoei as pessoas que me ofereceram o coração, como quem deixa escorregar um copo de bebida das mãos nas horas perdidas da noite e fica olhando com cara de bobo os cacos de vidro e o líquido derramado pelo chão, em um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.
Enquanto você me perguntava quantos beijos de despedidas eram necessários pra perceber que não era o fim, quantos nãos eram precisos ser ditos para ouvir um sim, enquanto você me oferecia o corpo em uma resistência dissimulada e lânguida, enquanto segurava minha mão em uma força quase nula, eu soltava mais um botão do seu jeans, enquanto tentava empurrar minha cintura com uma mão de graveto que se quebra com o vento, até os corpos se comprimirem em um aperto tão forte que verteria líquidos das extremidades.  E quando meu corpo se desfalecesse sobre e dentro de você, acreditaríamos por uns alguns segundos que permanecíamos fundidos. Até que uma palavra mal pensada, uma lembrança arredia, uma ferida não cicatrizada nos jogasse cada um, mais uma vez, na extremidade oposta das margens de um rio sem pontes.

Eu não podia mais atravessar aquelas águas turvas e barrentas pra te encontrar do outro lado, você nunca aprendera a nadar.


Publicado no Literatura Amarga em julho de 2016

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Ame feito um louco.





Abrace bem forte aqueles que decidiram entrar na sua vida, mas mantenha os braços soltos pra aqueles que decidiram partir, o coração nunca pode ser uma prisão, mas sim um abrigo aconchegante, para aqueles que decidiram ficar, um certo tempo, sobe sua proteção. Você aprende a amar quando aprende a aceitar, que algumas pessoas vão, outras veem, é certo que muitas, quando partem parecem que levaram um pedaço seu consigo, que deixaram uma trilha de devastação pelo caminho por onde partiram, mas entenda que é preciso arar a terra para plantar novas sementes, se o coração não tivesse revolvido, talvez não aceitasse um novo sentimento. Se te falta uma peça no seu peito é justamente pra se encaixar no quebra-cabeça de outro peito, um coração nunca é completo só, você passa a vida montando as peças, e só vai fazer sentido quando observado de bem longe, visto do alto.
Todos nós cometemos equívocos, tropeçamos nas próprias pernas e caímos, é mais fácil apontar e rir do que estender a mão pra outro  se levantar; deixamos de falar as palavras necessárias que estavam na ponta da língua, por acharmos desnecessárias, e as engolimos, o que torna mais difícil digerir um fim. Outras palavras que nunca deveriam ser ditas, colocamos pra fora num momento inoportuno, de raiva, de explosão, feito um espirro, um palavrão. E dissemos adeus quando é preciso dizer até logo, viramos as costas e sem olhar pra trás, quando tudo que era preciso era um abraço.  Mas tudo são escolhas, somos o resultado delas. Uma relação não pode ser como uma rodoviária, partir e voltar a todo instante, pode ser que haja  outra pessoa em seu lugar quando decidir voltar.
Há aqueles que vivem de juntar os estilhaços de uma relação, juntando as pecinhas espalhadas pelo chão, montando-as minunciosamente, feito um brinquedo de Lego, esses são os perfeccionistas, apegados, que sempre levam uma bagagem muito maior do que precisam, carregam peso desnecessário nos ombros. Outros preferem mantem o coração livre, propicio ao novo, vão leve, carregam apenas poucas coisas no bolso, esses são os loucos, amam muito e fácil, mas sabem cumprir o ritual de velar a dor de um amor em seu fim, enterrá-lo, deixar flores quando se quer lembrar.  

            Tudo são escolhas, sempre escolha amar. 




Publicado no Literatura Amarga em julho de 2016.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

O amor foi pro ralo.



“Eu joguei o amor no ralo”. Ela disse, digo que quem está sendo dramática dessa vez era ela, ela disse que conhece as pessoas, que é dura demais com as palavras, por mais que eu negue, ela tem razão. O amor foi pro ralo, não por o que ela disse, ou deixou de dizer, foi porque eu enfim enxerguei o obvio, que tudo que ela via parecia ser grande porque ela o via de perto, eu que observava de longe, tudo parecia muito pequeno, apesar de tudo, ela era só uma menina. Amor de menina é tão efêmero quanto o gosto de chiclete que ela te deixa na boca, tão fugaz quanto o perfume doce que ela  deixa na camiseta, tão raso quanto uma piscina de bolinhas, tão volúvel quanto a fissura de acompanhar likes no facebook, amor de menina não dura duas ou três frases atravessadas no whatsapp.
Na ressaca de um amor que termina antes do começo, reencontro meu ex-amor, por não ser uma menina ela veste suas melhores roupas, sobretudo preto, bota preta acima dos joelhos, maquiagem escura, sabe que gosto do contraste que o preto faz em sua pele, exala sensualidade em cada movimento. Mal conseguimos trocar palavra alguma, pressas na garganta feito suspiro, soluço, espirro, frases entrecortadas que formam uma interjeição desajeitada. Por não saber se comunicar com palavras, apelamos para a linguagem do corpo, dançamos uma falsa triste de despedida, errei os passos, tropecei nas pernas, pisei no vestido longo. E por mais que tentasse reencontrar o que fomos, éramos duas pessoas completamente diferentes.
Fui levá-la embora a pé, caminhamos como em uma marcha fúnebre, num silêncio cortante como o prenúncio de uma notícia ruim que nunca é dada, nos abraçamos em um pedido de perdão silencioso por toda a dor causada. “ Se cuida” , eu digo, por saber que nenhum dois poderia mais cuidar um do outro.
O amor se foi, escorrendo com água quente, debaixo do chuveiro, levando pro ralo os últimos resquícios do seu corpo em mim.
Publicado no Literatura Amarga em junho de 2016

terça-feira, 21 de junho de 2016

Conto de Fadas


Ela se foi, não olhou pra trás, não se despediu. Orgulhosa, chorou no escuro, sofreu em silêncio, na espera que a salvasse no alto da torre, matasse aquele dragão aterrorizante que vivia à espreita, chamado solidão. Mas eu nunca servi pra príncipe, confundo dragões com moinhos de vento, sou um bobo-da-corte que já não faz ninguém rir. Quando ela percebeu que não seria resgatada nem com um cavalo branco ou burro-falante, desceu do alto da torre e viu que nossa primavera havia passado, o chão coberto de folhas secas, as árvores com galhos secos e retorcidos, não sobrou o colorido de nenhuma flor, só restava os espinhos e aquele vento frio que causava arrepios e uivava. Nosso conto de fadas chegara ao fim sem seu final feliz.
Eu ainda vestia minha armadura, agora enferrujada pela chuva e vento, não sairia do corpo com facilidade. Eu havia perdido mais uma batalha, o coração veterano de guerra ganhara mais algumas cicatrizes, embora não conquistasse medalha alguma. Ela ainda era uma princesa, porém sem reino, sem castelo, sem súditos, e nas noites escuras ainda pressentia o dragão à espreita. O nosso conto de fadas não foi adaptado pela Disney, não virou figurinha de chiclete, não fez nenhuma criança feliz.
Ela quis voltar, não havia lugar pra voltar, nosso conto de fadas foi consumido pelo Nada, Bastian não conseguiu salvar a tempo, virou uma História Sem Fim. O coelho correu apresado, sem que ninguém conseguisse alcançar, dormimos a espera de um beijo pra acordar que nunca veio, sapatos ficaram pelo caminho na fuga, sem que fossem encontrados, a carruagem virou abóbora e quando a rainha mandou cortar a cabeça, de fato havíamos perdido a cabeça.
No fim já não havia mágica alguma, e estávamos muito longe de um final feliz, tudo era amontoado de palavras que não foram ditas ou escritas, pressas pra sempre no calabouço, calados, mãos no bolso, chutando as pedrinhas pelo caminho que alguém deixou pra não se perder, agora não vai encontrar o caminho de volta.
Ela esperou que eu escrevesse nosso final feliz, sabia da minha mania de escritor, embora não havia percebido que eu não sabia escrever finais felizes, gostava de escrever contos, que não tinha nada de fadas, nos contos os finais sempre ficam subsentidos.
No fim tudo entre nós era um acumulado de mal entendidos, na nossa história o grande mal, foi tudo que não foi entendido.
Publicado no Literatura Amarga, junho de 2016

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Virando a mesa.



Eu sei quando alguém entra na minha vida pra fazer um estrago. Eu aprendi a ler todos os sinais. Eu sei quando alguém entra pra virar a mesa, derrubar garrafas e copos, estilhaços de vidro e manchas de bebida pelo chão. Quando esbarrei com ela uns três anos atrás, sabia que havia algo diferente, eu sei quando alguém vai entrar na minha história, antes mesmo da nossa história juntos começar. Não foi a toa que a observei, com uma luz amarela acessa, que dizia: “Cara, para com isso, ela é só uma menina”. Daí quando eu afasto a ideia torta como quem afasta um mosquito de um zumbido irritante, ela ressurge. Mas eu já a conheço, ela não ia se contentar em apenas voltar, ela precisa de uma entrada triunfante. Sempre quis ver uma adaptação de algo que escrevi, ele fez e me mandou antes mesmo de dizer “oi”. Ela é do tipo que acena de longe e diz: “ Eí, bobão, roubei teu coração!”. Ela escreveu um texto lindo pra mim, ela voltou minhas armas contra mim, ela me desarmou, ela jogou os dados e abraçou o tabuleiro, ganhou a corrida antes da largada, descobriu meus pontos fracos sem esforço, sequestrou meu coração e não pediu resgate.
Ela me deixa comovido, mordido, fodido, doido e doído. Uivando pra lua sete noites seguidas, bebendo conhaque feito água; perdi a concentração que já não tinha, meus pensando sempre indo na direção dela, eu tentando controlá-los, com quem quer controlar uma enxurrada com um copo d’água, uma revoada de pássaros com um estilingue. Virando na cama como se a buscasse num sonho, perdi o sono, esqueci de dormir, perdi a hora, esqueci de acordar.  Ela consegue ser vilã e mocinha ao mesmo tempo num amor bandido. Crazy Love. Ela consegue enlouquecer até eu que já sou louco, Alice através do espelho, eu o Chapeleiro, Arlequina no esquadrão suicida, eu coringa com uma granada na boca.
E aqui vou eu agora, louco pra proteger minha princesa do dragão, lá se vai minha espada no primeiro golpe, torta pra sempre ao dar em cheio num moinho de vento. Eu não sirvo pra príncipe, eles são muitos chatos, quero ser bobo-da-corte só pra desenhar um sorriso no seu rosto,pôr todas suas lágrimas num vidrinho azul-marinho, entregar ao Merlin pra fazer um feitiço, transformar todas em fogos de artificio.
Menina vou te proteger do mundo, mulher vou te oferecer o meu mundo.
Publicado no Literatura Amarga em maio de 2016