segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Viva um novo amor.



Viva um novo amor.


Antes de qualquer coisa quero te perguntar o que você faz aí de cara amarrada, de mau humor, emburrada em plena segunda-feira de manhã?
Não quero saber se seu final de semana foi uma droga. Se você bebeu demais e deu vexame; se ficou assistindo aqueles programas horríveis que passam na TV, que de tão ruins dão até dor de cabeça; se ficou mais uma vez do lado daquela pessoa que sempre diz e faz as mesmas coisas, que antes te fazia suspirar, agora só te faz bocejar.
Não sou o dono da verdade. Só vou te dizer o óbvio. Às vezes precisamos de um chacoalhão para enxergar o que está diante dos nossos olhos. Se você precisa beber para ficar feliz, alguma coisa está errada. Os programas que passam na TV no final de semana são ruins justamente porque ninguém deve passar o final de semana todo assistindo TV. Seu grande amor, já não é tão grande assim. O primeiro amor nem sempre tem que ser o único.

Agora você está no trabalho, que por sinal detesta, no entanto contenta-se porque já teve outros piores. Tem que lidar com o mau humor de seu patrão, dos clientes, com o seu próprio mau humor. Não vê que o tempo está correndo? O brilho do monitor do computador está ofuscando sua visão. Abra as persianas e veja que o sol brilha lá fora. Essas paredes ao seu redor são sua prisão. O mundo não é feito de concreto. Essa pilha de papeis na sua frente é apenas uma árvore que morreu. Você deveria subir em uma árvore de verdade e sentir lá no alto a brisa suave em seu rosto, esticar o braço e apanhar uma de suas frutas. Esse pacote de salgadinhos aí na sua frente é apenas química e artificialidade, isso vai acabar te matando. Aliás, tudo anda artificial demais na sua vida.

Se seu emprego só te traz aborrecimento, procure outro. Sei que a crise está difícil, mas seu salário não paga sua infelicidade. Se o seu amor não te faz mais feliz, deixe-o. Você não ficará sozinha, é linda e inteligente, qualquer homem daria um dedo da mão para estar junto de você.

Não viva feito uma estátua parada no mesmo lugar levando coco de pomba na cabeça. Não faça como o seu patrão que passou a vida juntando dinheiro e perdeu o amor da esposa, dos filhos, dos netos. Perca dinheiro e junte amores. Sua pilha pode ter acabado, mas o relógio do tempo não para de correr. Pouca importa se você é católica, budista, espírita, mulçumana, ou macumbeira. Você só tem essa vida e ninguém pode te garantir outra.

Por isso desmanche essa cara fechada e abra um sorriso. Sorria para o chão, para o teto, paras as paredes. Sorria para um desconhecido na rua. As pessoas nem sempre querem o seu corpo, seu dinheiro, ou o seu mal. Às vezes só querem um sorriso seu, para se sentirem melhores consigo mesmas.

Só você não vê que falta amor na sua vida. E quando falta amor, falta tudo. O trabalho fica mais cansativo. A rotina mais entediante. As pessoas mais intoleráveis. Por isso, se você não pode recuperar seu antigo relacionamento, abra seu coração de uma vez por todas e viva um novo amor.


Texto publicado no Paraná Centro em 19/12/2011
No Folha de Londrina em 28/12/2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sozinhos.com.


Sozinhos.com

Eis que você tem mais de quinhentos amigos no Orkut, conhece pessoalmente pouco mais de duas dezenas, vê com freqüência meia dúzia. A janelinha do Msn não para de piscar,tanta conversa empolgada dedilhando o teclado. O brilho do monitor ofusca sua visão, tanto que chega a doer à cabeça. No e-mail você recebe vários slides com imagens bonitas, frases positivas, que você recebe e envia para centenas de pessoas. Quer mudar de aparência? Coloque umas fotos novas no seu álbum online, atualize o seu perfil no site de relacionamento. Quer saber como anda um amigo? Clique na imagem dele. Sua vida toda, e a alheia, exposta ao clicar de um botão. Não é tão bom xeretar na vida dos outros? E ainda reclamam da falta de privacidade.

Eis que o contado pessoal se tornou descartável. O sentimento digitalizado. Esquece-se que uma conversa face a face é bem melhor que trocar letrinhas coloridas e bonequinhos animados em frente um monitor inexpressível. Mesmo que se use webcam, a imagem é lenta, fria e quase estática. Nada substitui o esplendor de um rosto que se ilumina com um sorriso. Dos olhinhos que sabem sorrir por si próprios. Mesmo que esses mesmos olhos, às vezes derramem lágrimas e fiquem vermelhos de tristeza por palavras que ferem. Suas palavras não têm a sabedoria de um provérbio chinês, nem são capazes de criar frases de efeito a todo instante, mas são originais, verdadeiras. Não dedilhe um teclado empoeirado, segure a mão do seu próximo, mesmo que a mão transpire em excesso e fique trêmula no momento errado. Esquece-se que a beleza está na falha, em tudo que é humano e, portanto imperfeito.

O uso excessivo dos sites de relacionamento, pela sua instantaneidade, criou um novo tipo de ansiedade: a de ficar sempre plugado para evitar a impressão que se está perdendo algo. De fato perde-se algo. O sol que brilha lá fora. A vida que não te espera para viver, que não é conectada por cabos, mas por frágeis laços afetivos que podem romper com o tempo, com a falta de convivência No entanto se fortalece com um abraço, um aperto de mão, uma palavra amiga, um gesto de carinho. Você não vai preencher seu vazio existencial com pixels, megabytes o escambau. Só irá preenchê-lo com amor.

A internet criou um ciclo de contados superficiais que talvez aumentem seu circulo social, mas não é capaz de suprir suas necessidades afetivas mais profundas. O virtual é sinônimo de irreal. Por isso tire seu computador da tomada, e vá viver. Não seja um solitário online. Não acesse o Sozinhos.com. Não permita que sua vida vire um Fake.


Publicado no jornal Paraná Centro 27/11/11

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Amor se foi.


O Amor se foi.

Meu bem o Amor se foi, não se despediu. Não reclamou da toalha molhada sobre a cama, da falta de dinheiro, ou da educação dada às crianças. Não deixou nenhum bilhete na geladeira, acho que não vai voltar. Acho que, sistemático que é, ofendeu-se por não notarmos sua ausência durante dia comum e partiu em silêncio. No entanto deixou aos nossos cuidados seu filho caçula, que se chama Saudade.

Mas meu bem, Saudade chora tanto. Chora quando ouve aquela canção antiga no rádio, quando se deita na cama grande e vazia, quando reconhece algum cheiro na fronha do travesseiro; chora até mesmo, quando recebe carícia de outra pessoa. E esse choro é de um silêncio tão triste que chega a doer na alma.

Saudade é como se fosse um filho nosso agora. Vamos perder noites de sono com o seu choro, ter que lidar com a revolta e insensatez de sua juventude, por fim, seu amadurecimento. Saudade é como se fosse um de nossos filhos, porém ao contrário de nossas outras crianças, nunca nos dará alegria ou orgulho.

O Amor se foi. Fica essa marca de batom no livro que emprestei, outros tantos levou consigo, nunca mais vou ler. Fica o DVD que assistimos juntos, deitados no sofá, o final feliz não será mais o mesmo. Fica uma peça de roupa intima esquecida na gaveta de meias, intocada. Ficam os últimos versos que rabisquei pensando em nós; amassei, viraram bolinhas de papel. Ficam os porta-retratos, cartas, bilhetes, esquecidos em uma caixa de sapatos, empoeirados.

Sei que ainda há Paixão e Atração, mas o Amor se foi, breve eles irão também. É melhor fechar a porta antes que venha o Ódio e a Traição. É melhor trancar as janelas antes retorne a Mágoa e o Rancor. Vamos fechar a casa e tirar férias. Mas eu quero ir para a praia, você para a capital. Quero ir para o norte e você para o sul. Você quer visitar o seu pai, eu a minha mãe. Você quer ir para a cidade grande, eu para o interior. Então é melhor cada um seguir sua própria viagem. Quem sabe não encontramos outro lar. Cuide da Saudade, prometo buscá-la aos fins de semana.

Quem sabe a gente reencontre o Amor. Numa fila qualquer, em uma mesa de lanchonete. Num sábado ensolarado, caminhando no parque. Em uma segunda chuvosa, debaixo de uma marquise, escondendo da chuva. Meu bem, aconteça o que acontecer, não se esqueça de telefonar.



Públicado no jornal Paraná Centro 07/11/11
Folha de Londrina 23/11/11

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A escola do morro dos ventos uivantes


Entro no ônibus para subir a serra. São quase cinquenta quilômetros morro acima. Abro um livro, mas a condução chacoalha tanto, as letrinhas parecem saltitar do papel, como pipoca na panela. Começo a fitar o horizonte, uma imensidão de montanhas, vales e morros que parece não ter fim. Uma brisa suave bate em meu rosto, o que me faz suspirar. Fico remoendo sentimentos por dentro que não sei explicar, inefável. De repente o ônibus para, uma garota entra, um raio de sol atravessa a janela e ilumina o seu rosto, deixando seus olhos esverdeados, mas ela nem dá bola para mim; volto a fitar a paisagem, essa sim, agora a linha do horizonte tem um formado curvo, parece sorrir para mim.

As matas começam a ficar mais densas, as pontas dos galhos das árvores tocam as janelas, borboletas coloridas voam ao nosso redor. Será que esse ônibus sobe rumo ao céu? Há um muro enorme coberto de flores multicoloridas, um portão grande e dourado; será ali a entrada do paraíso?

Subo o morro porque tenho uma missão, devo cumpri-la. Lá no alto, pessoas me aguardam. Há tempos abandonaram suas metas e agora que retornam, contam comigo para ajudá-las. Por isso não devo titubear, tenho que superar os empecilhos e conduzi-los até o fim de suas jornadas.

Quando finalmente chego ao alto do morro, vejo que tudo é muito improvisado e precário, entretanto tenho uma missão e devo cumpri-la. Os que me esperam não são muitos, mas esperam muito de mim. Por isso me faço de orador no alto de um palanque, sem palanque algum. Vejo o rosto cansado de alguns, eles tiveram um longo dia de trabalho e agora estão aqui. Por isso me faço de palhaço para arrancar um sorriso deles. É preciso disciplina para manter a ordem, recupero a autoridade. Todos se vão satisfeitos, mas tenho que ficar, pois não há um ônibus para retornar, apenas no dia seguinte e estou muito longe de casa. Durmo em um colchão jogado ao chão. O vento uiva a noite toda, no entanto não é triste como no livro de Emily Bronte, o vento anuncia um novo tempo que começou.

Subo o morro para lecionar para jovens e adultos, que há tempos abandonaram a escola e agora voltam; minha missão é fazer que concluam seus estudos e aprendam o máximo possível, mas na verdade quem aprende com eles sou eu. Subo o morro para cuidar de minha nova vida como professor. E durmo satisfeito na escola do morro dos ventos uivantes.


Publicada no jornal Folha de Londrina 02/11/11

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Os Passos do meu filho


Meu filho a passos trôpegos vai desafiando o mundo. Eu sigo ao seu lado, tento segurar a sua mão, agarrá-lo pela camiseta, pelos fundilhos das calças, na tentativa de evitar um tombo. Quisera eu forrar todo o chão com almofadas. Em vão: a uma mera distração, ele foge em disparada. Cai, levanta-se sem choro, estufa o peitinho e segue imponente. Meu filho tão pequenino e já quer caminhar sozinho.

Meu filho ainda não fala. Apenas une algumas sílabas, diz algumas vogais, algumas interjeições. Fico ao seu lado, repito inúmeras vezes: Papai, papai. Ele diz: cabum, dadu, bobo, qualquer coisa que não se pareça nem um pouco com papai. Retiro-me um pouco frustrado. Minha mãe diz que assim que eu saí, ele disse sorrindo: PA-PAI.

Meu filho sorri. Tem apenas os incisivos inferiores, o que não impede que o seu sorriso seja o mais lindo que já vi. Ele parece um coelhinho. Quando peço um beijo, ele me beija de boca aberta, cheia de baba e lambuza toda a minha bochecha. Mas o seu beijo é mais doce do que todos os beijos das mulheres que amei.

Ao penteá-lo, seus cabelos finos e ralos parecem fugir da escova, insisto nessa tarefa meticulosa e ao mesmo tempo desajeitada. Quando termino, ele de imediato desmancha o penteado. Fico aborrecido? Não. Você tem razão filho, fica bem melhor de cabelo bagunçado.

Outro dia o levei para o parquinho, aproveitei que não havia ninguém e brinquei feita criança, desci o escorregador com ele no colo, fui ao balanço. Meu filho me olhava desconfiado, como se pensasse: Pronto! Meu pai ficou maluco. Não, filho, eu apenas volto à infância para me sentir mais próximo de você.

Ele escapa da minha mão e começa a andar. O corpinho vacila para a direita, para esquerda. Meu coração gela. Será que vai esfolar os joelhos na calçada áspera? Minha intenção é levantá-lo no colo, mantê-lo longe do chão perigoso. No entanto, sei que se fizer isto ele vai chorar, espernear, até eu não ter alternativa a não ser colocá-lo no chão novamente. Sei que tudo isso é apenas mais uma metáfora da vida. Meu filho terá que caminhar sozinho, as quedas serão inevitáveis. Contudo quero estar ao seu lado como agora, e oferecer a mão, para que ele possa se levantar outra vez.

Texto Publicado no Folha de Londrina em 08/04/11 e várias vezes no Jornal Paraná Centro.

domingo, 5 de junho de 2011

Um alguém especial


- Um alguém especial







O dia dos namorados está próximo e você não tem ninguém. Você olha os casais nas ruas e suspira. Porém não admite. Diz que está bem sozinho (a); que está feliz com as baladas. No entanto ninguém fica bem sozinho. As pessoas que circulam na noite, com a luz do dia, sem toda aquela maquiagem no rosto, sem a roupa de festa, sem chapinha no cabelo, sem a desinibição que o álcool provoca, são irreconhecíveis.

Você precisa de alguém que fique com você em um sábado a tarde, dividindo uma tigela de pipoca, assistindo a milésima reprise daquele filme antigo, do qual você nunca viu o final, e mais uma vez não verá, porque na metade do filme começarão a trocar dezenas de beijos, todos com gosto de coca-cola.

Você precisa de alguém que ria junto com você até a barriga doer de suas piadas sem graça, porque a graça está na maneira que você conta, porque você começa a rir antes de terminar a piada, e o seu riso é contagiante, quando se está apaixonado é fácil rir de tudo.

Você precisa de alguém para ligar no meio da tarde sem ter nada para dizer, apenas para ouvir a voz do outro lado da linha.

Você precisa de alguém que tome um banho de chuva com você, e ache isso o máximo, sem se importar com as outras pessoas que passam pela rua e achem aquilo uma maluquice.

Você precisa de alguém que te abrace depois de um dia ruim, e mesmo sem falar nada, você sinta que tudo de ruim já passou.

Você passa a vida toda procurando por alguém especial, sem se dar conta que nesse exato momento há alguém procurando por você. Sim, você, com todos os seus defeitos, manias e sonhos. Um outro alguém precisa de alguém como você. Basta manter o coração aberto, perder o medo de ser feliz, perceber de uma vez por todas que você é um alguém especial.



Publicado no Folha de Londrina,
Jornal Paraná Centro,
 Revista Uma Nova Visão.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Memórias do Galo.


Memórias do Galo.


Tive inúmeros bichos de estimação na minha infância. Desde cachorros, gatos, coelhos, micos, galos... Minha mãe chegou a acreditar que eu seria veterinário. Entretanto o que espantava não era a diversidade dos animais, mas sim as qualidades inusitadas que alguns possuíam.
Aos oitos anos tive um cachorrinho chamado Sheique que caía em prantos quando eu me fingia de morto. Eu ficava imóvel estirado no chão, ele não parava de choramingar e lamber o meu rosto enquanto eu não me levantava. Difícil de acreditar? Pois, eu juro! Nota-se que não há como digitar essa crônica de dedos cruzados.
Tive uma cadela chamada Samantha que era centroavante do meu time de futebol. É claro que ela não conhecia as regras do jogo. Mas corria feito doida atrás da bola, tentando abocanhá-la. Como a bola era maior que sua boca; de focinhada em focinhada ela driblava seus adversários e marcava vários gols- alguns contra- também derrubava muita gente durante a partida. Samantha não tinha muito senso de direção, nem espírito esportivo. Quando finalmente abocanhava a bola era o fim da brincadeira. Depois de furar umas cinco bolas, ela foi expulsa do time. No entanto entre todos os meus animais de estimação o mais terrível e temido foi o Galo.
Zetti (nome dado em homenagem ao ex-goleiro do São Paulo) era um galizé, uma espécie de galo pequeno um pouco maior que uma pomba. Entretanto sua aparência inofensiva era uma cilada. As pessoas se aproximavam e diziam; Olha que galinho bonitinho! Ele eriçava as plumas do pescoço, em posição de ataque e esporava as canelas e calcanhares de suas vitimas. Em pouco tempo se tornou o terror da vizinhança. Eu morava perto de uma escola, muitas crianças transitavam em frente a minha casa, o Galo escapava pelas frestas do portão e avançava em todas elas, sem distinção de sexo, religião, ou cor. Eu ficava da janela gargalhando enquanto as criançinhas fugiam apavoradas. Havia uns moleques valentes, que munidos de paus e pedras desafiavam o Galo, mas ele botava todos para correr. As visitas ignoravam o cachorro, que não era manso, e pediam para prender o Galo. O que era muito difícil, pois o Galo dava um jeito de escapar por entre nossas pernas e descia a espora nas visitas. Logo a rua da minha casa ficou deserta, e as visitas escassas.
Como se fosse pouco, o Galo deu uma surra no cachorro para provar quem era o rei do quintal. Começou a atacar os de sua própria casa, o que nos obrigava a usar calças jeans grossas para não ter os tornozelos esfolados. Um dia o Galo invencível foi vencido pela velhice e bateu as esporas. Entre todas as crianças do bairro fui a única a ficar infeliz.

Ricardo Chagas

Publicado na Folha de Londrina 23/09/09

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Desastres do amor


Desastres do amor


Quis o destino que ele fosse um romântico. Justo na época em que o romantismo tornou-se uma banalidade. E procuraria o amor nos lugares mais impróprios possíveis, o que resultaria numa série de incontáveis desastres.
No prezinho se apaixonou pela garota de cabelos encaracolados, esculpiu para ela um coração vermelho feito de massa de modelar. Como não tinha muita aptidão artística, à escultura não lembrava um coração, mas sim, um pedaço de pizza mastigado e posto para fora. A garota não compreendeu a obra surreal e o denunciou para a professora, que o puniu por mau comportamento.

No primário se apaixonou pela garota de cabelos loiros, e ofereceu a ela um iogurte de morango. Naquele dia descobriu-se que a garota era alérgica a lactose. E desde então todas as crianças foram proibidas de trocarem seus lanches. Ele se tornou um pária entre toda a classe. Principalmente para o garoto gordinho que trocava as frutas que trazia, por balas e paçoca.

No ginásio se apaixonou pela garota mais popular do colégio, a primeira a ter seios. Não pequenos pontinhos salientes que alfinetavam a blusa, mas grandes esferas que saltitavam durante as aulas de educação física. Ele não lembra o nome da garota, lembra dos seios, e da grande decepção que deve quando ela começou sair com um garoto mais velho, o primeiro a dirigir.
Apaixonou-se pela garota do outro colégio, a que tinha olhos brilhantes. Foi nessa época que descobriu que era um tímido. Mesmo sabendo que a garota também gostava dele, ele não conseguia se comunicar. A não ser à distância por uma estranha linguagem corporal semelhante à mímica. Ela teve que tomar a iniciativa. E ele descobriu que quando estava nervoso gaguejava, trocava as palavras, as mãos ficam úmidas de suor, o corpo teso e esquecia como se beijava...

Havia algumas garotas que se apaixonavam por ele, no entanto ele estava preocupado demais com suas próprias paixões para se importar com as paixões dos outros. E se apaixonou pela professora, pela vizinha, pela mãe divorciada do seu amigo. Comprava buquês de flores que causavam alergia, bombons suíços que tinham gosto de leite azedo, roupas que não serviam. A professora quase o reprovou, a vizinha se mudou, e apanhou do amigo para aprender nunca mais dar em cima da mãe dos outros.

Na faculdade se apaixonou pela moça de olhos verdes. Presenteou-a com dezenas de versos anônimos. Ela reuniu os versos e publicou um livro. E ficou conhecida entre os outros acadêmicos como a nova Cecília Meireles. Cansado de tantas frustrações decidiu deixar de lado o coração e cuidar da vida profissional. Talvez se conquistasse uma instabilidade financeira, conseguiria um relacionamento estável. E provou ser tão eficaz nas finanças quanto no amor. Oscilava de emprego em emprego, sempre fazendo maus negócios.

Desiludido, sem saber se entrava para um seminário, ou se virava um cafetão. Por acaso reencontrou uma antiga amizade. Percebeu pela primeira vez que sua amiga de infância, apesar de jogar bola bem melhor do que ele, não era um menino. Que atrás daquelas lentes grossas havia olhos azuis, que as sardas e o aparelho nos dentes a deixavam com um ar sensual de Lolita. E quando desmanchava as tranças tinha um cabelo bonito. Que ela tinha um ótimo senso de humor e também gostava de poesia. Descobriu o quanto é bom dizer e ouvir eu te amo, sem segundas intenções. E os dois foram felizes juntos, até que o casamento os separou.

Ricardo Chagas

Crônica publicada no jornal Folha de Londrina 03/02/20011