domingo, 31 de outubro de 2010

Pão e circo.


Pão e circo.

       Como é bom assistir os debates eleitorais na televisão. Enquanto os candidatos suam embaixo de seus ternos e trocam farpas e alfinetadas, nós rimos. É bom aproveitar enquanto há tempo. Logo os papéis se inverteram e tudo voltará a ser como antes. Após as eleições, nós suaremos enquanto os políticos irão rir as nossas custas.
       Nossos governantes , assim como os romanos na antiguidade, sabem que tudo que a população necessita é de pão e circo. Na antiguidade os imperadores romanos davam para o povo uma alimentação precária e proporcionavam grandes espetáculos nos coliseus afim de entretê-los, que consistia em guerreiros se gradeando, ou enfrentando leões famintos sobre o olhar sanguinário de uma plateia alvoroçada. Na atualidade o governo fornece a alimentação básica para o povo através de programas assistenciais, como o Bolsa Família, a TV fornece o entretenimento com o futebol, novelas e a violência fictícia ou não.
        Mas como mudar o país? Qual seria a solução para nossos problemas? Na universidade professores de esquerda e de direita tentam nos convencer com suas ideologias. O que seria melhor, insurreição ou privatização? Sei lá. Bom mesmo era o tempo que eu achava que os termos: esquerda e direita se referiam a canhotos e destros.
        Na dúvida sugiro continuar a seguir o exemplo grego com algumas pequenas modificações. Mais entretenimento para o povão. Os políticos deveriam nos divertir mais, apenas os debates eleitorais que acontecem de dois em dois anos é muito pouco. Eles deveriam se gradear todos os dias em horário nobre, quem sabe alguém solte um leão faminto no meio deles para alegrar ainda mais a plateia.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Reflexões sobre a infância


Reflexões sobre a infância



Sinto um pesar ao perceber as lembranças da infância se apagarem da minha memória cansada. Hoje eu sei que a infância é a melhor fase da vida. Como era bom passar o dia todo em cima de uma árvore, alimentando-me de seus frutos. Nunca mais subi em uma árvore, confesso que até tentei há pouco tempo, mas não consegui. Hoje eu só como alimentos industrializados. Lembro-me do meu amigo Buíu pedindo-me para contar outra história. Eu, de cima de uma árvore improvisava outra narrativa sem sentido, ao qual ele ria tanto. Meu Deus! Como eu gostava da gargalhada daquele moleque. Hoje eu sei que sempre fui e sempre serei um contador de histórias.

Que saudades eu tenho da infância. Daquele mundo de imaginação e fantasia. Onde as folhas que caíam das árvores no quintal, tornavam-se soldados de um exército imbatível. E as pedras do jardim eram o esquadrão inimigo. Minhas tardes ensolaradas transformavam-se em batalhas épicas. Como era bom alimentar as formigas e seguir sua fila de operárias até descobrir o seu esconderijo. Eu que nunca quis crescer. Queria ser um garoto perdido da terra do nunca. Queria ter superpoderes para salvar o mundo. Naquele tempo era fácil distinguir o bem e o mal.

Mas veio a adolescência com seu turbilhão de transformações. Veio a vida adulta e tudo ficou menos colorido, mais pontiagudo e maçante.

No entanto, de repente surge aquele mesmo sorriso ingênuo, aquele brilho constante no olhar que somente uma criança é capaz de ter, aquela alegria que contagia tudo ao seu redor. Retorna a esperança de salvar o mundo. Seria o regresso da infância? Não. É o meu filho que sorri para mim.


Publicado no Folha de Londrina em 13\10\10

sábado, 2 de outubro de 2010

Um Messias de terno e gravata



Está chegando o dia. Todos nós teremos que, por alguns momentos, desligar a televisão, sairmos da frente da tela do computador, abdicar da sagrada cervejinha dominical, e nos dirigirmos às designadas zonas eleitorais e escolher os representantes no poder Legislativo e Executivo. Que deveriam, teoricamente, trabalhar em prol de melhorias nas comunidades, e uma melhor qualidade de vida nos municípios. Mas, convenhamos, qual cidadão brasileiro, por mais ingênuo que seja, ainda acredite na honestidade dos representantes?

Todos os dias, os meios de comunicação despejam em nossas casas dezenas de denúncias de corrupção cometidas por aqueles que ajudamos a se elegerem nas últimas eleições. Todas elas marcadas pela impunidade. E o que nós, povo brasileiro, fazemos a respeito? Sorrimos (sorriso quase sempre marcado pela ausência dos incisivos), e dizemos que é assim mesmo. Foi sempre assim e sempre será.

Até quando continuaremos com essa resignação tola? Quais de vocês saíram do conforto dos lares, nos últimos dias, para ouvirem um candidato discursar em cima de um palanque, após a proibição dos showmícios? Quais de vocês doaram cinco minutos do próprio tempo para lerem com atenção as propostas de um candidato no verso de um santinho? Quantos de vocês aproveitaram o horário eleitoral gratuito, na televisão, para assistirem um DVD pirata?

Lamento informá-los, mas, agora, não há tempo suficiente para fazer uma pesquisa ampla sobre a integridade moral dos candidatos e com uma grande probabilidade de acerto. Por isso, rezem! Rezem muito! Não importa qual religião siga. Toda superstição também é válida (amuletos, ferraduras, pés de coelho, sal grosso...), para que sejam eleitos aqueles que melhores estão preparados, e que, quando estiverem exercendo os respectivos cargos, não sejam corrompidos pelo poder.

O povo brasileiro é cheio de crendices. Uma delas a que, entre os inúmeros candidatos que assumirão os cargos em 2011, haja um messias! Que pela primeira vez deixe de lado o egocentrismo, e pense em primeiro lugar nos mais necessitados.


Publicado no Folha de Londrina em 2008
No Paraná Centro 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Sete de setembro não existe mais


Sete de setembro não existe mais


Não existem desfiles de sete de setembro como antigamente. Quando a cidade toda se reunia para ver os alunos marcharem de uniforme. A bandinha tocava o hino nacional. A bandeira do Brasil lá no alto imponente, acima da bandeira estadual e municipal, balançava com o vento. Hoje os alunos não precisam mais sair de casa na manhã do feriado e dormem até tarde, ficam o dia todo na internet. O nacionalismo resumiu-se ao símbolo do Google pintado de verde e amarelo. A banda municipal virou um caminhão de som semelhante ao um trio elétrico baiano, que só é usado na época de campanha eleitoral.

No primário éramos obrigados a decorar o hino nacional. Ficamos horas debaixo de um sol a pino, preocupados em não errar a letra, completamente desafinados. No ginásio apenas mexíamos os lábios enquanto uma enorme caixa de som, que batizamos de caixa de abelhas devido à qualidade do som, tocava o hino. Hoje os alunos mascam chiclete de boca aberta durante o hino para fazer de conta que cantam.

Para provar que sete de setembro perdeu o significado fomos às ruas em pleno feriadão, munidos de prancheta e caneta nas mãos, com o seguinte questionamento: Hoje é dia de quê? Após entrevistar as poucas pessoas que encontremos nas ruas, chegamos ao seguinte resultado: 40% responderam ''Não me aborreça, quero tomar minha cervejinha em paz''. 30% que era o dia em que Pedro ''Alves'' Cabral gritou independência ou morte. 15% que era dia da bandeira. 10% que era dia de sete de setembro. 5% que era dia da independência. Fomos além em nossa pesquisa e perguntamos o porquê de Dom Pedro I gritar independência ou morte. A resposta mais criativa que obtivemos foi: ''Para fundar Brasília e sugar o dinheiro dos cofres públicos.''

No término de nossa pesquisa, quase fim de tarde, avistamos uma solitária bandeira do Brasil no alto de um sobrado. Próximo a um varal ela sacudia em meio a cuecas, calças e sutiãs. Indagamos ao cidadão na sacada do prédio:

- Então, amigo, celebrando a independência?

- Quê? A bandeira? Está aí por causa da Copa. Esqueci de tirar.


Publicado no Paraná Centro em 2009 e em versão atualizada em 2010
No Folha de Londrina 08/09/2010

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Coisas incríveis que aprendi na escola.


Coisas incríveis que aprendi na escola.


No principio aprendi o que era o verbo. E o verbo era ficar. Que em sua nova terminologia significava ganhar beijos e abraços de pessoas do sexo oposto, e algumas coisas a mais dependente do grau de precocidade de cada um. Para os garotos ficar com o maior número possível de garotas era forma de ascensão social, enquanto o mesmo ato para as garotas era uma forma degradação. No pequeno circulo escolar tive minhas primeiras noções de hierarquia e desigualdade étnica.

Seguindo a física aprendi a empregar tempo, velocidade e propulsão apropriada para saltar os muros da escola. Nada pode prender um corpo que não quer permanecer preso. E a liberdade era uma conquista primordial. Mesmo que não se saiba o que fazer dela após recém conquistá-la.

Com a matemática aprendi a fazer o cálculo adequado, que mesmo com o mau comportamento, desatenção e ausências na sala de aula por razões sórdidas, a tirar a nota exata exigida pela instituição escolar para passar de ano sem ficar para recuperação.

Com a psicologia aprendi a estudar o comportamento dos professores e provocá-los até ocasionar um momentâneo ataque de fúria. E depois de ser enviado para supervisores, pedagogos e diretores, convencê-los de que era uma criança inocente sem consciência dos meus atos. Para isso era preciso utilizar atributos das artes cênicas, como manter uma expressão facial semelhante a um cachorrinho sem dono.

Através da história aprendi a seguir certas ideologias. Como diga o que tenho que fazer que farei exatamente o contrário. Pois nenhum homem deve governar outro homem. Sim, eu era um anarquista mirim, que só iria saber o que é anarquismo uma década depois.
Após sair da escola aprendi que vagar por ela como um adolescente revoltado, avesso a regras e indiferente a qualquer forma de aprendizado não foi um bom negócio. Era preciso correr atrás do tempo perdido. E por alguma razão obscura a qual a ciência não explica resolvi seguir o magistério.

Dentro da sala de aula, agora como professor, há dezenas de crianças na minha frente que aparentam serem anjinhos inofensivos. Mas sei que é apenas dissimulação. Vejo no olhar de cada um deles um brilho sanguinário e uma iminente sede de vingança.

Publicado no Paraná Centro em 2009

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Aventuras de um pai iniciante.


Aventuras de um pai iniciante
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Aprendi com meu filho que trocar fraldas pode ser um exercício perigoso. Além de enfrentar os odores e a sujeira, há também uma torneirinha homicida que dispara jatos certeiros. É preciso sempre estar atento para não ser alvejado.

Descobri que os bebês passam por fases. Meu filho passou por uma fase bovina. O que me obrigava a recorrer constantemente ao Canal do Boi, enquanto ele ficava em frente à TV gritando: Boi, boi, boi! E mugindo. Essa etapa passou, agora está em uma fase caprina. O que dificultou um pouco as coisas, pois não existe nenhum canal de cabrito. O que me obriga a vasculhar na internet imagens e vídeos de cabritos, enquanto ele fica no meu colo gritando: Beeer, beeer, beeer!

A fase do piu-piu, nós superamos quando eu tive a brilhante ideia de levá-lo ao parque para alimentar os gansos. Não percebi quando um grupo sorrateiro de gansos se aproximou pela retaguarda. Tive que erguer meu filho bem alto e partir em disparada, não antes de levar umas bicadas dolorosas nas pernas.

Percebi o que é sedentarismo quando tive de empurrar meu filho por algumas horas em um triciclo de plástico, enquanto ele pedia: Masi, masi... Por mais desatentos que os bebês pareçam, eles prestam muita atenção em nossa linguagem. Tive uma grande supresa quando meu filho cumprimentou outro bebê, levantou o bracinho bem alto e disse: Oi, cala!

Descobri que o fascínio que os homens têm pelo órgão genital vem da mais tenra idade. Cheguei a tal conclusão quando meu filho saiu correndo pelado pela sala, gritando para as visitas: Meu Pipi, meu pipi... Há também nessa idade a curiosidade pelo sexo oposto. Tive de conter o meu filho, quando ele quis entrar debaixo do vestido de uma menina à procura de um pipi. Desde então, ele persegue as garotinhas no parquinho falando: Ham ninina, ham ninina!

Quando meu filho pede comida nem sempre está com fome, às vezes só quer esfregar chocolate nas paredes e espalhar migalhas de bolacha pelo chão. Não importa o quanto eu esteja jururu e cansado, quando meu filho sorri e diz vem PA-PAI, eu vou. E então vamos construir castelos na área úmida; puxar pelo cordão carretinhas e caminhõezinhos pelos corredores da casa; despejar a caixa de brinquedos pelo chão e fazer a maior bagunça. Percebi o quanto é lindo e gratificante ouvir meu filho dizer: Eu amo meu papai. Mesmo que para ele dizer isso, eu tenha de suborná-lo com um punhado de balas.


Publicado No Paraná Centro 09/ 08/ 10
Folha de Londrina 05/08/ 09

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Excluídos Futebol Clube


Excluídos futebol clube

Foi na escola que tive uma das minhas maiores lições de vida. Não dentro da sala de aula, lá eu não aprendi quase nada, não durante a adolescência. Em uma quadra de futsal aprendi o que é superação, união e perseverança. Eu tinha treze anos, pertencia a um grupo de amigos com algumas coisas em comum. Adorávamos futebol, porém, éramos inabilidosos ao praticá-lo. Verdadeiros pernas- de- pau.

As aulas de educação física eram traumatizantes. Aquela escolha discriminatória que acontecia antes de cada partida. Ao qual um garoto ( sempre o maior, ou mais popular ), ia apontando o indicador e dizendo: - Eu quero este, e este, e este...Ficávamos sempre por último.O pior entre os piores.Isso quando não ficávamos esquentando o banco, marcando o alambrado.
Em uma manhã ensolarada tomamos uma decisão que mudaria o percurso de nossas vidas. A idéia era simples; já que ninguém nos queria, formaríamos um time entre nós mesmos. Mesmo sem chance de vitória alguma; pelo menos iríamos participar. Sem saber formamos um time imbatível.
Lembro-me até hoje da escalação: Péricles Pançudo, um gordinho míope que ironicamente tornou-se um ótimo goleiro. Tão bom que seus adversários por vingança deixaram de mirar o gol e sim o seu rosto. O coitado vivia com a armação de seus óculos toda remendada de esparadrapo. Kid bolacha, um zagueiro casca grosa. Eu, Rick Ripino, um baixinho cabeludo e invocado. Bair Sete Mil, o garoto do chute forte. Embora seus chutes raramente acertassem o gol, e sim mandava a bola para além dos limites da escola. E Sandro Zurelha, o nosso artilheiro. Não tínhamos técnica ou habilidade, tínhamos raça e passe. Enquanto os outros garotos, fominhas, tentavam resolver tudo sozinho, nós, de toque em toque chegávamos ao gol. Iniciamos uma série de vitórias surpreendentes. Eram formadas seleções entre os melhores garotos para nos desafiar. Em vão, os excluídos futebol clube permaneceu invicto por todo o ano letivo.

Tornamo-nos heróis. Verdadeiros revolucionários mirins. Os outros garotos formavam filas para entram em nosso time. Havia até mesmo uma lista de espera.
O tempo passou; nós crescemos. Nenhum de nós seguiu carreira no futebol, perdemos o contado uns com os outros. Acredito que a maioria de nos não percebeu a grandiosidade da façanha que proporcionamos naquele ano letivo. Creio que já se esqueceram.
Por essa razão escrevo este texto. Para lembrá-los que é possível um grupo de jovens que compartilham uma idéia e um sentimento, mudar a realidade à sua volta.



Ricardo Chagas



Publicado em 2008 pelo Paraná Centro.


P.S:Se o assunto da vez é futebol, depois de criticar no texto anterior as mudanças de humor e alienação que esse esporte pode causar em algumas pessoas. Esse texto fala sobre algumas vantagens que o futebol pode causar na vida das pessoas.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O brasileiro feliz


O brasileiro feliz





Quando a seleção brasileira conquistou a Copa das Confederações o brasileiro esqueceu a escassez do salário, o preço da gasolina, a corrupção em Brasília... E sentiu-se vitorioso. Sim, éramos os melhores em alguma coisa. E ganhamos o título justo em cima dos Estados Unidos. O gigante do norte que sempre nos oprimiu com sua superioridade econômica e nos empurrou sua cultura e idioma goela abaixo. O brasileiro estava feliz.

No entanto a felicidade dominical amenizou-se quando o brasileiro teve que acordar às seis da manhã de segunda-feira, pegar três lotações rumo a uma árdua jornada de trabalho. Na terça-feira essa felicidade era apenas um pequeno vestígio quase esquecido.

Quando o brasileiro percebeu que o ponteiro do marcador de combustível estava próximo da reserva, que as contas se acumulavam... Abriu sua carteira e viu que só tinha umas notas miúdas e algumas moedas... O brasileiro ficou infeliz.

Entretanto, na quarta-feira o Corinthians ganhou a Copa do Brasil, e o brasileiro teve outra crise de amnésia. O Corinthians era um símbolo de superação, um time rebaixado para a segunda divisão que agora ganhava um título nacional. E havia outros símbolos na figura de um homem. Ronaldo, que foi desacreditado por todos após inúmeras lesões, voltou ao futebol em grande estilo. E o Corinthians comemorava a conquista em Brasília junto com o presidente. O brasileiro estava feliz novamente.

Mas a felicidade durou muito pouco. Nem toda a nação era corintiana e quando o corintiano ostentou seu orgulho debochando dos outros times, houve um clima de grande tensão.

Algo precisava ser feito com urgência. Não havia nenhum outro grande título para se comemorar. Teríamos que encontrar um responsável pela nossa insatisfação. Alguém tinha que ser crucificado. E o eleito foi o Lula. Sim, o presidente era o culpado de tudo. Não pela sua administração, mas por ser corintiano.

RICARDO CHAGAS
Publicado no Folha de Londrina em 08/07/09


P.S : Embora o texta fale sobre competições ocorridas no ano passado, acredito que com a Copa do Mundo acontecendo agora, torna o texto mais uma vez atual...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Minha Capitu



Minha Capitu


Os olhos dela marcaram minha vida, do mesmo modo que os olhos de Capitu marcaram Bentinho. Dizem que você reconhece sua alma gêmea pelo brilho no olhar. Não acredito nisso, mas os olhos dela brilhavam como eu nunca tinha visto antes e jamais voltei a ver.

Seus cabelos negros deslizavam sobre seu rosto lívido. Um contraste apaixonante. O primeiro amor. Parece um sentimento infantil, entretanto só quem realmente o viveu sabe o quanto ele pode ser avassalador. Durante dias trocamos olhares, sorrisos e tchauzinhos. No entanto, mesmo pertencendo à geração que revolucionou os relacionamentos amorosos, éramos tímidos. Nenhum de nós teve coragem de tomar a iniciativa.

Houve vários encontros eventuais; um vale a pena ressaltar. Estava em um ginásio esporte, lotado; final de campeonato. Abria caminho pelo corredor me espremendo por entre dezenas de pessoas. Fiquei preso em um canto. Adivinhe com quem? Eu e ela presos contra a parede. Dois corpos comprimidos pela força da multidão. (intervenção divina?). Seus olhos tão próximos que ofuscavam minha visão, nossos lábios quase se tocando... O que eu fiz? Fugi; feito a criança que eu era. Desperdicei um presente do céu.

O nosso primeiro e último beijo aconteceu por iniciativa dela. Eu estava nervoso, creio que beijei pessimamente; tentava um diálogo envolvente, mas tropeçava nas palavras. Ela parecia irritada, talvez por ter se desapontado comigo, ou por ter sido obrigada a tomar a iniciativa, ou as duas coisas. Não me lembro de como foi à despedida, sei que no outro dia não tive coragem de me aproximar, por maior que fosse minha vontade, as pernas não obedeciam. Ela mandou recado por uma amiga dizendo para eu ficar ao lado dela. Eu obedeci, mas fiquei paralisado ao seu lado, quis dizer algo, os lábios se moveram, porém sem som algum. Nunca mais trocamos palavra alguma.

Os anos passaram. Sofri ao vê-la nos braços de outros garotos, mas dei continuidade a minha desastrosa vida amorosa. Até que um dia, caminhando distraído pela cidade, observando as vitrines, esbarrei em alguém. O que seria de nossas vidas sem esses encontros ocasionais? Era ela. Os dois se assustaram ao se reconhecerem, arriscaram um sorriso tímido, e um ''oi'' desajeitado, depois seguiram seus caminhos. Após todos aqueles anos, pude ver seus olhos outra vez. Não havia aquele mesmo brilho transcendental de antes, porém ainda existia uma fagulha cintilante. Dom Casmurro terminaria dizendo que nunca esqueceu os olhos de Capitu, mas creio que não é necessário dizer isto.

Ricardo Chagas


Publicado no Folha de Londrina 28/01/09

sábado, 1 de maio de 2010

Meu primeiro prêmio literário


Olá amigos, estou muito Feliz descobri hoje que fiquei em quarto lugar no Concurso Nacional de Contos Cataratas-Foz do Iguaçu, estou sem palavras para expressar minha alegria...

Prêmio Cataratas de

Contos e Poesias - 2010


PREMIAÇÃO


CATEGORIA - CONTOS


1º Lugar:

NOME: Mairy Iracema Solano Sarmanho

OBRA: A Moça Morta

CIDADE: Porto Alegre - RS






2º Lugar:

NOME: Samir Abrão Filho

OBRA: A Noveleira

CIDADE: Barretos - SP





3º Lugar:

NOME: Guilherme Gryschek

OBRA: Onde o Sol Brilha

CIDADE: Botucatu - SP





4º Lugar:

NOME: Ricardo Francisco de Camargo Chagas

OBRA:Laços de Família

CIDADE: Ivaiporã - PR




5º Lugar:

NOME: Uili Bergamin

OBRA: Estér
CIDADE: Caxias do Sul - RS






6º Lugar:
NOME: Karla Celene Campos

OBRA: Do Beiral

CIDADE:Montes Claros - MG




7º Lugar:

NOME: Roberto Klotz

OBRA: Quando eu morri

CIDADE: Brasília - DF




8º Lugar:

NOME: Ieda Maria da Silva Castaldi

OBRA: Espelho No Corredor

CIDADE: São José do Rio Pardo - SP




9º Lugar:

NOME: Joésio de Oliveira Menezes

OBRA: O Corpo

CIDADE: Planaltina - DF




10º Lugar:

NOME: Edson Xavier de Castro

OBRA: Quem tudo conta...

CIDADE: São Paulo - SP

Publicado por ronaldo

terça-feira, 27 de abril de 2010

Minha mãe, nossa família


- Minha mãe, nossa família



           Meu pai está construindo um prédio. Enquanto não termina a obra o vejo mergulhado em seus cálculos, os dedos frenéticos batem à calculadora, o rosto aflito. Foi sempre assim, com sua matemática, orgulhoso por mesmo tendo frequentado pouco a escola, ser melhor em cálculos do que muita gente estudiosa. Os números prendem meu pai à realidade. Enquanto eu tento fugir dessa realidade através das letras e palavras, com ficção e poesia, revivendo histórias com pontos e vírgulas, lendo um bom livro. Meu pai com os pés no chão, eu perdido no mundo da lua. Em algum momento meu pai concluiu que os números viriam em primeiro lugar, os sentimentos em segundo plano. Eu recupero sentimentos e os guardo em folhas de papel. 

            Meu irmão com seus jogos eletrônicos e aparelhos tecnológicos. Fascinado a cada avanço da tecnologia. Enquanto eu com meus livros velhos oriundos de sebos e bibliotecas. Desde a infância ele com seu Atari, eu com meu gibi da Turma da Mônica. Sempre me surra no videogame. Apanho do meu próprio computador. Enquanto ele é praticamente um técnico em informática sem nunca ter frequentado curso algum. Meu irmão contemporâneo, eu anacrônico. 

          Minha mãe sempre preocupada com a nossa alimentação; se estamos bem aquecidos, com a saúde intacta. Não vê a barba em nossos rostos e nos trata feito crianças. Tão dedicada a todos nós que se esquece de si mesma. Enquanto eu concentrado em mim, às vezes esqueço de todo o resto. Há tempos minha mãe passava merthiolate nos joelhos ralados do meu irmão, fazia chá de alho para curar a gripe do meu pai que nunca vai ao médico, levava-me às pressas ao hospital porque eu estava mais uma vez com a garganta inflamada. Mãe nos ama incondicionalmente, eu nunca aprendi amar direito. 

         O prédio do meu pai terá três andares, tem alicerces fortes para sustentá-los. É com um sorriso bobo no rosto que percebo que a vida nos pregou mais uma peça. Tudo é uma grande metáfora. O prédio representa minha família, os três andares são meu pai, meu irmão e eu. Os três homens distintos, o matemático, o letrado, o tecnólogo. Tão diferentes e ao mesmo tempo iguais. O alicerce da fundação é minha mãe, que nos sustenta e nos mantém intercalados. Os andares são divididos por paredes de tijolos e concreto, e ligados por vigas de cimento e ferro. Somos separados por nossas individualidades, mãe nos une pelo afeto.


Ricardo Chagas dedica esta crônica a Judith Aparecida de Camargo Chagas
Publicado no Folha de Londrina 28/04/10

terça-feira, 20 de abril de 2010

Aurélia


Aurélia



Quando te vejo de olhos lacrimejantes de tanto chorar pela pessoa errada... O verde bonito virou um vermelho triste. E eu sem ter o que fazer, faço-me de palhaço para te arrancar um sorriso. Você ri um riso tão sem graça, suspira fundo e diz que a vida é complicada. Queria te mostrar que a vida pode ser simples e doce. Como um sábado e domingo de sol, com pipoca e Coca-Cola, comédia romântica na TV, aconchego no sofá, raspa de doce de leite no fundo da panela

Como um beijo de mãe, abraço de pai, carinho de avós, passeio no parque de mãos dadas, farelo de pão para os pássaros, assistir o pôr-do-sol abraçados.

Como churrasco com os amigos, roda de bate-papo, cerveja sem ressaca; jogo de cartas, música ao vivo, amor de madrugada, comer a caixa toda de bombons sem culpa, beijo com gosto de Sonho de Valsa.

Mas você não me ouve. Concentrada no seu livro de gramática, a decorar suas regras. Tanto que já te apelidaram de Aurélia. Diz que amar é verbo intransitivo indireto, porque quem ama, ama alguém. E ficamos outra vez sem nos entender. Porque eu queria amar sem regras, escrever sem conhecer a gramática, e continuo sem ter alguém.

Você pensa no seu príncipe encantado, que nada tem de encantado, que nem passaria como nobre vagabundo. Eu escrevo versos em folhas avulsas, depois amasso e atiro contra o ventilador.

Você diz que escrevo tudo errado. Que não sei concordância, coesão, coerência, pontuação e ortografia. Digo que não está errado, que criei um neologismo involuntário. Você sorri, diz que só me perdoa que porque tenho licença poética. Observo seu sorriso, seus dentes alvos, sua sobrancelha saliente, teu olho verde, tua unha pintada de vermelho, o tilintar de suas pulseiras e brincos, a maneira como joga os cabelos para trás. Cada gesto seu é um poema.

Só te perdôo porque você é uma poesia que respira.


Publicado pelo Folha de Londrina 18/11/09

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Eu estarei lá.


   Filho,sinto um grande orgulho a cada pequena conquista sua. A cada palavra nova que aprende ou repete. A cada gesto de valentia e independência. Como na vez que decidiu subir as escadas do escorregador sozinho, eu, ao seu lado, soberbo, cauteloso de prontidão para agarrá-lo, se suas perninhas trôpegas errassem algum degrau. 

Mas você cumpriu sua tarefa com imponência e demonstrando que está crescendo rápido e eu ficando velho. Estive ao seu lado no seu primeiro sorriso, embora tenham me dito que não era um sorriso, que só estava com dor de estômago, mas parecia um sorriso e era lindo.

Fiquei orgulhoso até mesmo quando você sujou as fraudas pela primeira vez. Filhos ao seu lado, eu fico bobo.

Quero estar com você quando marcar aquele gol na partida de futebol, pular o alambrado e participar da comemoração, mesmo que os seguranças me botem para fora. Vou querer matar o juiz que não marcar a falta que fizeram em você, estrangular o garoto gordinho que te passou o pé por trás. Mesmo que você nunca chegue a gostar de futebol, meu time de coração sempre será o Gabriel Futebol Clube. Só te peço filho, que não seja corintiano.

Quero estar ao seu lado em sua primeira dor de cotovelo. Explicar que sofrer por amor é inevitável. Ajudar a escrever a cartinha romântica. Passar gloss de morango na garota que te dará o primeiro beijo. Comemorar com você aquele dez na prova, reclamar com a professora que te deixou por três décimos.

Puxar sua orelha se virar um bagunceiro. Quero te ensinar a andar de bicicleta, passar pomada no joelho ralado. Subir na árvore para pegar manga madura, ficar o dia todo tentando tirar os fiapos dos dentes. E, se por um acaso, eu não estiver, não serão os quilômetros que nos farão pessoas distantes, porque você é o meu afeto e ternura, um pedacinho de mim, que tem vida própria, que sorri, e faz a todos feliz.

Quando você for capaz de entender as letras e transformá-las em palavras, as palavras em frases e assim por diante. Com sorte adivinho aquilo que ainda não aconteceu. Você compreenderá o implícito e as entrelinhas. Entenderá que de uma forma ou de outra eu estarei lá. Basta fechar os olhos com força que vai sentir minha mão em seu ombro, e uma voz que sussurra em seu ouvido: Filho amo você.
Ricardo Chagas


Publicado no jornal Paraná Centro 10/01/10

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Quase amor



                                                                      Quase amor

      "Nada pior que o quase. Sim, o quase. Aquele lance incrível que você fez na partida de futebol, a bola passou triscando a trave. Você quase fez um golaço. Aquele concurso que você estudou tanto e faltaram apenas alguns décimos para tirar a nota desejada. Você quase conseguiu. Mas entre todos os quases, nada pior do que o quase beijo, o quase amor que não aconteceu.
       Os dois estão a sós em um lugar discreto, tendo aquela conversa gostosa, quando de repente a palavras cessam, os olhares se encontram, os lábios aproximam-se devagar em uma atração magnética. Súbito há um forte estrondo lá fora, ou o celular de um dos dois começa a tocar, ou chega um desavisado e atrapalha tudo. Pronto! O encanto é quebrado. O beijo não acontece, o amor não floresce. Mais uma vez o quase atrapalhou sua vida.
       O quase amor é o mais marcante de todos. Quem nunca viveu um? Um amigo meu, que não tem nada de lírico, ressalta ano após ano que a história de um quase beijo, e sua narrativa é digna de um literato. Aconteceu no colegial. Ele era apaixonado pela sua melhor amiga. Ambos estavam sozinhos dentro de uma sala de aula, quando acontece aquele clima... Os rostos se aproximando lentamente para o beijo tão desejado. BAM! Alguém quebra uma janela lá fora. Junto com a janela o encanto do momento também foi quebrado. A garota sorriu, deu um tapinha na testa dele e disse: “Você é um lerdo.” Muitos anos se passaram e o pobre coitado ainda sente o tapinha na testa que doeu no coração. Ainda quer matar o cara que quebrou a janela.
       Se você está no instante que precede um beijo, não se importe com o barulho lá fora, agarre a garota pelo colarinho e beije-a. Se o celular começar a tocar, enlace o pescoço do seu amado e beije-o. Se um desavisado chegar, dê as costas para ele e beije seu amor até perder o fôlego.
    Vamos fazer uma campanha universal contra o quase. Sair às ruas com cartazes com os dizeres: ABAIXO O QUASE! NÃO AO QUASE! MORTE AO QUASE! Pode parecer cômico, mas quem sabe não mudamos o mundo. Ou pelo menos quase."


Texto escrito por Ricardo Chagas, estudante de Letras da faculdade Univale de Ivaiporã e publicado no jornal Folha de Londrina no dia 07 de abril de 2010.