terça-feira, 1 de novembro de 2016

O nosso céu nublado.









O nosso céu nublado.

Tento esquecer, mas o facebock me mostra logo cedo uma foto nossa de um ano atrás, um casal feliz, daí tudo perde o compasso, fica fora do tom, sem foco, sem cor. Penso no que nos levou pra longe um do outro mais uma vez, se eu tive medo,  como quem anda na beira do precipício sem querer olhar pra baixo, se foram as mágoas que eram como um céu nublado para que eu não pudesse ver o sol da nossa felicidade. Desistimos, como quem perde uma longa batalha, muito longe de casa, sem saber o caminho de volta, sem saber pra onde voltar.
O caminho de volta era um campo minado, repleto de arame farpado, de trincheiras a qual nos enfiamos na tentativa de se proteger, mas de volta pra onde? A gente sabia que mais uma guerra seria o fim, tudo se aniquilando debaixo de um cogumelo atômico, por isso travamos uma guerra-fria, com espiões que buscam informações, erguendo muros instransponíveis entre nós dois, quando tudo que a gente queria era colidir de frente e que a explosão varresse tudo ao nosso redor.
Mas preferimos seguir em frente, em um voto de silêncio perpétuo.  Eu não posso ver se suas lágrimas brilham no escuro, você não pôde ver o que sangrou por dentro. Quis guardar suas lágrimas, mas elas fizeram uma curva sinuosa nas maças do seu rosto e fugiram de minhas mãos desastradas. Você quis estancar o meu sangue, mas não conseguia enxergar dentro de mim.

 Agora só posso desejar que você siga o seu caminho, mesmo que o leve pra longe de mim. Desejo a você que caminhe descalça, sem que nada fira os seus pés. Que o vento balance o seu cabelo, sem que o embarace. Que o próximo que segure sua mão, seja com firmeza e não a solte. Que aprendermos com nossos erros e acertos. E quando a roda da vida nos por frente a frente outra vez, espero te reencontrar com um sorriso e um abraço, sem nenhum resquício de rancor nos seus olhos. Que esse céu nublado seja apenas mais um dia cinza, que depois dele talvez surja um arco-íris, se não vir a gente sabe que logo mais o céu vai se abrir.  

Publicado no Literatura Amarga em Outubro de 2016

terça-feira, 26 de julho de 2016

Desencontros


Desencontros.

Ela buscou em mim um porto seguro, encontrou um barquinho perdido no meio do oceano com um tigre dentro. Eu busquei nela maturidade, encontrei uma menina birrenta, que bate o pé e mostra a língua. Mesmo assim seguimos de mãos dadas, tateando o escuro, tropeçamos, bati a canela na quina, ela esfolou os joelhos e cotovelos. Ela me esperava encontrar com um sorriso e uma carícia, e me encontrava de dentes trincados e punhos cerrados.  Ela falava de compromisso, casamento, eu dizia deixa disso, dá um tempo. Ela falava de amor, eu mudava de assunto, dizendo que tava muito calor. Eu dizia leia isso, aquilo, isto, ela dizia não ter tempo. Ela me pedia um afago, pra passar pra dar boa noite, um beijo, eu dizia que não tinha tempo.
Ela ficava na inércia esperando meus movimentos, eu vinha feito tsunami arrastando tudo comigo. Ela queria me ver de terno, eu dizia que só usaria contra minha vontade num caixão. Eu dizia que ia deixar o cabelo crescer outra vez, e dessa vez fazer dreads, ela dizia que eu tava ficando louco, já era louco, cada vez mais louco. Eu dizia que o Coringa era meu personagem favorito, justamente, porque seu superpoder é a loucura.
No teatro de quatro paredes a gente dançava em todos os ritmos: tango, funk, rock e MPB; no escuro, com as músicas tocando dentro de nós. Mas quando as luzes se acendiam tudo perdia o sentido. Eu queria que ela prestasse atenção nos meus monólogos intermináveis, ela bocejava e perguntava que horas são? Eu queria dormir, ela queria minha atenção. Ela vinha com palavras doces, eu com ironia e sarcasmo. Ela trazia um doce, eu uma garrafa de álcool. Nossos filhos brigando feito cão e gato, ela achando que tava tudo tranquilo e favorável, eu querendo me embrenhar no meio do mato, só com um facão, vara de pescar, pinga e pão com mortadela.
E nosso amor brotou, feito semente no asfalto, contra tudo e todos cresceu rumo ao sol, sem chuva, se alimentava do orvalho da noite, da luz e calor do dia, mas não é que veio o verão fez o broto queimar?

Nosso amor morreu por excesso de luz.   


Publicado no Literatura Amarga em julho.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.




Um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.

Nunca estive tão perdido como quando você soltou minha mão, daí foi como eu  descesse uma imensa ladeira, perdi os freios,  com o frio na barriga de quem está na iminência de um tombo feio, sem ninguém pra levantar do chão, pra cuidar dos esfolados, apenas algumas pessoas que ririam do tombo. Daí eu esquecia das coisas, deixando tudo pela metade, outras tantas desistia sem nem ter tentado, foi como se tudo tivesse desbotado, perdido a graça, o tom, o equilíbrio. 
Eu segui em frente como se fosse uma guerra, porque não havia como parar, não sabia como voltar atrás, queimei a garganta com álcool, como se fosse morfina. Deixei a trincheira porque  ela me parecia escura, úmida e anacrônica demais, uma cova, coisa da primeira guerra, já estávamos muito além da segunda, por isso entrei no meu tanque de guerra e passei por cima de tudo sem se importar com o estrago que deixava pelo caminho, quando se dei por mim, tudo era uma terra devastada.
É certo que houve outras pessoas que de algum modo me devolveram o sorriso, deram um tranco no meu coração pra voltar a acelerar e o grande defeito dessas pessoas era não ser você, o que elas não tinham a menor culpa. Mergulhei em amores rasos e me estrepei por inteiro, magoei as pessoas que me ofereceram o coração, como quem deixa escorregar um copo de bebida das mãos nas horas perdidas da noite e fica olhando com cara de bobo os cacos de vidro e o líquido derramado pelo chão, em um pedido de desculpas abafado pra sempre pelo som alto que grita as mais tocadas.
Enquanto você me perguntava quantos beijos de despedidas eram necessários pra perceber que não era o fim, quantos nãos eram precisos ser ditos para ouvir um sim, enquanto você me oferecia o corpo em uma resistência dissimulada e lânguida, enquanto segurava minha mão em uma força quase nula, eu soltava mais um botão do seu jeans, enquanto tentava empurrar minha cintura com uma mão de graveto que se quebra com o vento, até os corpos se comprimirem em um aperto tão forte que verteria líquidos das extremidades.  E quando meu corpo se desfalecesse sobre e dentro de você, acreditaríamos por uns alguns segundos que permanecíamos fundidos. Até que uma palavra mal pensada, uma lembrança arredia, uma ferida não cicatrizada nos jogasse cada um, mais uma vez, na extremidade oposta das margens de um rio sem pontes.

Eu não podia mais atravessar aquelas águas turvas e barrentas pra te encontrar do outro lado, você nunca aprendera a nadar.


Publicado no Literatura Amarga em julho de 2016

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Ame feito um louco.





Abrace bem forte aqueles que decidiram entrar na sua vida, mas mantenha os braços soltos pra aqueles que decidiram partir, o coração nunca pode ser uma prisão, mas sim um abrigo aconchegante, para aqueles que decidiram ficar, um certo tempo, sobe sua proteção. Você aprende a amar quando aprende a aceitar, que algumas pessoas vão, outras veem, é certo que muitas, quando partem parecem que levaram um pedaço seu consigo, que deixaram uma trilha de devastação pelo caminho por onde partiram, mas entenda que é preciso arar a terra para plantar novas sementes, se o coração não tivesse revolvido, talvez não aceitasse um novo sentimento. Se te falta uma peça no seu peito é justamente pra se encaixar no quebra-cabeça de outro peito, um coração nunca é completo só, você passa a vida montando as peças, e só vai fazer sentido quando observado de bem longe, visto do alto.
Todos nós cometemos equívocos, tropeçamos nas próprias pernas e caímos, é mais fácil apontar e rir do que estender a mão pra outro  se levantar; deixamos de falar as palavras necessárias que estavam na ponta da língua, por acharmos desnecessárias, e as engolimos, o que torna mais difícil digerir um fim. Outras palavras que nunca deveriam ser ditas, colocamos pra fora num momento inoportuno, de raiva, de explosão, feito um espirro, um palavrão. E dissemos adeus quando é preciso dizer até logo, viramos as costas e sem olhar pra trás, quando tudo que era preciso era um abraço.  Mas tudo são escolhas, somos o resultado delas. Uma relação não pode ser como uma rodoviária, partir e voltar a todo instante, pode ser que haja  outra pessoa em seu lugar quando decidir voltar.
Há aqueles que vivem de juntar os estilhaços de uma relação, juntando as pecinhas espalhadas pelo chão, montando-as minunciosamente, feito um brinquedo de Lego, esses são os perfeccionistas, apegados, que sempre levam uma bagagem muito maior do que precisam, carregam peso desnecessário nos ombros. Outros preferem mantem o coração livre, propicio ao novo, vão leve, carregam apenas poucas coisas no bolso, esses são os loucos, amam muito e fácil, mas sabem cumprir o ritual de velar a dor de um amor em seu fim, enterrá-lo, deixar flores quando se quer lembrar.  

            Tudo são escolhas, sempre escolha amar. 




Publicado no Literatura Amarga em julho de 2016.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

O amor foi pro ralo.



“Eu joguei o amor no ralo”. Ela disse, digo que quem está sendo dramática dessa vez era ela, ela disse que conhece as pessoas, que é dura demais com as palavras, por mais que eu negue, ela tem razão. O amor foi pro ralo, não por o que ela disse, ou deixou de dizer, foi porque eu enfim enxerguei o obvio, que tudo que ela via parecia ser grande porque ela o via de perto, eu que observava de longe, tudo parecia muito pequeno, apesar de tudo, ela era só uma menina. Amor de menina é tão efêmero quanto o gosto de chiclete que ela te deixa na boca, tão fugaz quanto o perfume doce que ela  deixa na camiseta, tão raso quanto uma piscina de bolinhas, tão volúvel quanto a fissura de acompanhar likes no facebook, amor de menina não dura duas ou três frases atravessadas no whatsapp.
Na ressaca de um amor que termina antes do começo, reencontro meu ex-amor, por não ser uma menina ela veste suas melhores roupas, sobretudo preto, bota preta acima dos joelhos, maquiagem escura, sabe que gosto do contraste que o preto faz em sua pele, exala sensualidade em cada movimento. Mal conseguimos trocar palavra alguma, pressas na garganta feito suspiro, soluço, espirro, frases entrecortadas que formam uma interjeição desajeitada. Por não saber se comunicar com palavras, apelamos para a linguagem do corpo, dançamos uma falsa triste de despedida, errei os passos, tropecei nas pernas, pisei no vestido longo. E por mais que tentasse reencontrar o que fomos, éramos duas pessoas completamente diferentes.
Fui levá-la embora a pé, caminhamos como em uma marcha fúnebre, num silêncio cortante como o prenúncio de uma notícia ruim que nunca é dada, nos abraçamos em um pedido de perdão silencioso por toda a dor causada. “ Se cuida” , eu digo, por saber que nenhum dois poderia mais cuidar um do outro.
O amor se foi, escorrendo com água quente, debaixo do chuveiro, levando pro ralo os últimos resquícios do seu corpo em mim.
Publicado no Literatura Amarga em junho de 2016

terça-feira, 21 de junho de 2016

Conto de Fadas


Ela se foi, não olhou pra trás, não se despediu. Orgulhosa, chorou no escuro, sofreu em silêncio, na espera que a salvasse no alto da torre, matasse aquele dragão aterrorizante que vivia à espreita, chamado solidão. Mas eu nunca servi pra príncipe, confundo dragões com moinhos de vento, sou um bobo-da-corte que já não faz ninguém rir. Quando ela percebeu que não seria resgatada nem com um cavalo branco ou burro-falante, desceu do alto da torre e viu que nossa primavera havia passado, o chão coberto de folhas secas, as árvores com galhos secos e retorcidos, não sobrou o colorido de nenhuma flor, só restava os espinhos e aquele vento frio que causava arrepios e uivava. Nosso conto de fadas chegara ao fim sem seu final feliz.
Eu ainda vestia minha armadura, agora enferrujada pela chuva e vento, não sairia do corpo com facilidade. Eu havia perdido mais uma batalha, o coração veterano de guerra ganhara mais algumas cicatrizes, embora não conquistasse medalha alguma. Ela ainda era uma princesa, porém sem reino, sem castelo, sem súditos, e nas noites escuras ainda pressentia o dragão à espreita. O nosso conto de fadas não foi adaptado pela Disney, não virou figurinha de chiclete, não fez nenhuma criança feliz.
Ela quis voltar, não havia lugar pra voltar, nosso conto de fadas foi consumido pelo Nada, Bastian não conseguiu salvar a tempo, virou uma História Sem Fim. O coelho correu apresado, sem que ninguém conseguisse alcançar, dormimos a espera de um beijo pra acordar que nunca veio, sapatos ficaram pelo caminho na fuga, sem que fossem encontrados, a carruagem virou abóbora e quando a rainha mandou cortar a cabeça, de fato havíamos perdido a cabeça.
No fim já não havia mágica alguma, e estávamos muito longe de um final feliz, tudo era amontoado de palavras que não foram ditas ou escritas, pressas pra sempre no calabouço, calados, mãos no bolso, chutando as pedrinhas pelo caminho que alguém deixou pra não se perder, agora não vai encontrar o caminho de volta.
Ela esperou que eu escrevesse nosso final feliz, sabia da minha mania de escritor, embora não havia percebido que eu não sabia escrever finais felizes, gostava de escrever contos, que não tinha nada de fadas, nos contos os finais sempre ficam subsentidos.
No fim tudo entre nós era um acumulado de mal entendidos, na nossa história o grande mal, foi tudo que não foi entendido.
Publicado no Literatura Amarga, junho de 2016

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Virando a mesa.



Eu sei quando alguém entra na minha vida pra fazer um estrago. Eu aprendi a ler todos os sinais. Eu sei quando alguém entra pra virar a mesa, derrubar garrafas e copos, estilhaços de vidro e manchas de bebida pelo chão. Quando esbarrei com ela uns três anos atrás, sabia que havia algo diferente, eu sei quando alguém vai entrar na minha história, antes mesmo da nossa história juntos começar. Não foi a toa que a observei, com uma luz amarela acessa, que dizia: “Cara, para com isso, ela é só uma menina”. Daí quando eu afasto a ideia torta como quem afasta um mosquito de um zumbido irritante, ela ressurge. Mas eu já a conheço, ela não ia se contentar em apenas voltar, ela precisa de uma entrada triunfante. Sempre quis ver uma adaptação de algo que escrevi, ele fez e me mandou antes mesmo de dizer “oi”. Ela é do tipo que acena de longe e diz: “ Eí, bobão, roubei teu coração!”. Ela escreveu um texto lindo pra mim, ela voltou minhas armas contra mim, ela me desarmou, ela jogou os dados e abraçou o tabuleiro, ganhou a corrida antes da largada, descobriu meus pontos fracos sem esforço, sequestrou meu coração e não pediu resgate.
Ela me deixa comovido, mordido, fodido, doido e doído. Uivando pra lua sete noites seguidas, bebendo conhaque feito água; perdi a concentração que já não tinha, meus pensando sempre indo na direção dela, eu tentando controlá-los, com quem quer controlar uma enxurrada com um copo d’água, uma revoada de pássaros com um estilingue. Virando na cama como se a buscasse num sonho, perdi o sono, esqueci de dormir, perdi a hora, esqueci de acordar.  Ela consegue ser vilã e mocinha ao mesmo tempo num amor bandido. Crazy Love. Ela consegue enlouquecer até eu que já sou louco, Alice através do espelho, eu o Chapeleiro, Arlequina no esquadrão suicida, eu coringa com uma granada na boca.
E aqui vou eu agora, louco pra proteger minha princesa do dragão, lá se vai minha espada no primeiro golpe, torta pra sempre ao dar em cheio num moinho de vento. Eu não sirvo pra príncipe, eles são muitos chatos, quero ser bobo-da-corte só pra desenhar um sorriso no seu rosto,pôr todas suas lágrimas num vidrinho azul-marinho, entregar ao Merlin pra fazer um feitiço, transformar todas em fogos de artificio.
Menina vou te proteger do mundo, mulher vou te oferecer o meu mundo.
Publicado no Literatura Amarga em maio de 2016

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Se perca.



Sinta. Não tenha medo, você não se encaixa no papel de garotinha assustada. É algo que não combina, fora do lugar e do contexto lógico, como uma borboleta nadando dentro de um aquário, seria bonito ela e os peixinhos coloridos, mas também seria um delírio. Eu sei, que por de trás da sua jaqueta de couro, das tatuagens, da pele áspera, bem lá no fundo tem essa garotinha assustada, com medo de amar e ser amada, pássaro abatido no ar, asa ferida. Você pode negar, se esconder nesses inúmeros personagens que você inventa a todo instante, mas você não me engana, eu conheço as pessoas, aprendi a ler pessoas como um livro. Sou muito mais velho que aparento ser, minha alma carrega o peso dos séculos. Eu não sei ao certo quantas pedradas você levou no seu voo, deduzo que foram muitas, suponho que foram pela sua ferida, você escondeu a cicatriz atrás de uma tatuagem bem grande achando que ninguém iria notar, mas eu reconheço uma asa ferida quando vejo.  Não estou aqui pra concertar sua asa, estou aqui pra te mostrar que você não precisa dela. Se joga, minha linda, mergulha no vazio do espaço só com uma corda de náilon amarrada no calcanhar, o calcanhar pode ser o ponto fraco e o que te mantem presa à vida, tudo é uma contradição. Não tenha medo de se machucar, tenha medo de não viver, não sentir, isso sim é morrer a cada instante. Você ainda vai se machucar muito, não há como evitar, a vida pra você é um imenso horizonte trêmulo, eu gostaria, mas não posso soprar as feridas todas às vezes, é só você não cutucar a casquinha que  sara.
Todos nós temos problemas psicológicos e psicodélicos, um coração despedaçado, coração só é bonito no desenho no papel, na verdade ele parece um afresco barroco que levou uma pedrada, faltam peças justamente pra se encaixar em outro coração estilhaçado, deixe se encaixar.
Não estou aqui pra segurar sua mão enquanto você caminha no slack line, estou aqui pelo contrário, estou aqui pra você  perder o equilíbrio, sentir a vertigem de chão, cair. Quero ser o pássaro que come as migalhas que você deixou pelo caminho, o frio no estômago, o susto, o coração em disparada, o lábio trêmulo, o olhar arregalado. Não quero ser o príncipe ou o vilão na sua história, quero ser o anti-herói, aquele que faz o certo por caminhos errados, há uma linha tênue entre o certo e o errado, estou aqui pra arrebentar essa linha.
Estou aqui pra te ensinar a ouvir música no silêncio, a escrever poesia com o dedo no ar, sou especialista em encontrar desenhos em nuvens, mestre em caçar borboletas e águas-vivas no fundo do mar, doutor em procrastinação, PhD na arte de se perder.
Estou aqui pra te mostrar o outro lado, te virar de ponta-cabeça, do avesso, estou aqui pra te ajudar a se perder.

Publicado no Literatura Amarga em maio de 2016.

sábado, 7 de maio de 2016

Meu coração é socialista.



Amo tanto e tantas, tento dividir esse amor em iguais proporções, nesse meu sonho utópico, meu coração de boina e cavanhaque, de revolução em insurreição, depois de conquistar Cuba é preciso morrer na Bolívia. Amo a garota em seu silêncio perpétuo, sua sentença de fim, seu olhar triste e olheiras de insônia. Todas as garotas que tive não sabiam dormir a noite, como se a insônia fosse contagiosa, ou os fantasmas gritassem em nossos ouvidos na madrugada. Amo a garota de braço todo tatuado, enigmática, uma incógnita cor de rosa, eu não sei onde termina a menina e começa a personagem, a menina que morde meus lábios quando me beija, que me conquistou através do meu ponto fraco, que o descobriu distraída como o poema do Leminski. Amo a garota  com seu sorriso de menina debochada, que não acredita em nada que eu digo, em nenhum verso que escrevo, na distância segura que é preciso manter dela, em seus cordões de isolamento que dizem: “perigo!, não se aproxime.” A dor que sinto ao vê-lo distante e quase apagada, a dor que sinto ao vê-la perto e inalcançável, a dor que sinto ao vê-la com lábios juntos aos meus e o coração longe. Aos amores que tive e perdi, aos que não tive e idealizei, aos que tive perto e escorregaram entre os dedos. Ao ver o fim em cada começo, ao gargalhar e chorar ao mesmo tempo, sorrir e suspirar.
Entendam, eu preciso de todas vocês, são mais que inspiração, são a munição dos meus poemas em prosa, meu poema-crônica, meu conto quase que pornográfico, meu romance pra sempre inacabado. Entendam, não sou herói ou vilão, príncipe ou cafajeste, estou tão perdido quanto vocês. Tudo que tenho a oferecer é um coração estilhaçado, uma prateleira com livros empoeirados, um sorriso tímido e um olhar safado. O máximo que terão de mim é um texto bonito num papel jornal, estático e digital. Sou tão efêmero quanto o sorriso e o suspiro que o texto possa arrancar. Terão todo o meu amor e a dor que ele possa lhe causar. Amor e dor são um casal que caminha de mãos dadas num pôr-do-sol de cinema.
Sou a esfinge que tenta te devorar banguela, sou a janela com a vista pra parede do vizinho, sou poeta sem papel e caneta, revolucionário sem causa, eu só preciso de um pouco de carinho, dar continuidade a minha terapia.
No fim tudo vira poesia.

Publicado no Literatura Amarga em maio de 2016.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Todo Coringa merece sua Arlequina.




Eu tenho uma queda por ela. Não essas quedinhas que a gente levanta rápido, olha para os lados e saí de fininho. Minha queda por ela é daquelas que você esfola os joelhos e cotovelos, quebra a cabeça e chama o SAMU. Daí ela surge do nada, passa horas e dias conversando comigo, daí ela corta o cabelo bem curtinho e por incrível que pareça fica ainda mais linda, daí ela aparece toda linda e maquiada e reclama da vida, daí ela de repente me conta a vida todinha, daí ela aparece de óculos e estoura meu coração já ferido de tantas batalhas perdidas, daí eu saio igual um Dom Quixote sem Sancho Pança, dando cada estilingada em moinho de vento. Ruim de mira que sou, nunca acerto minhas pedrinhas. Dou cada flechada de cupido nela, mas nenhuma acerta o coração, acho que acerto todas no rosto, porque ela fica com o rosto vermelhinho.
Então ela dá aula na minha frente e eu faço um sinal de coraçãozinho com a mão, junto com meu exército de crianças, minha infantaria rumo a mais uma batalha perdida. E um moleque esperto pergunta se eu gosto dela, eu desminto com a voz mais falsa e cínica na frente dela , pra que ela perceba minha encenação digna de um ex-BBB. Leio meu o horoscopo pra ela, com ênfase na penúltima frase:
Gêmeos de 21/05 a 20/06
A Lua entra em seu paraíso astral, sinal de que vai contar com a sorte para se dar bem em tudo o que fizer. Mas o Sol pede mais cautela. Atividades que possa ser desempenhadas de maneira isolada vão render mais. Fuja de atrito com os amigos. Caso escondido pode ficar mais tentador. Cor: marrom.
Ela sorri, um sorriso debochado e pede pra ler o dela, confesso que esqueci qual era, ela me olha com reprovação e diz que é de Libra, retruco que ela não tem nada de equilibrada, ela sorri e dá as costas pra mim. Quando leio o signo dela, não acredito no papel e sei que ela não irá acreditar se eu ler pra ela, por isso interrompo sua aula, só pra mostrar o horoscopo:
Libra de 23/09 a 22/10
O Sol traz uma fase de mudanças e incentiva o desapego. Bom momento para romper com velhos hábitos e jogar fora o que não tem mais espaço em sua vida, sejam objetos ou relacionamentos. A Lua brilha em seu signo e renova sua disposição – aproveite! Sua sensualidade está em alta no amor. Cor: ouro.
Ela me olha, pasma, com sua camiseta amarela e diz que não podemos levar isso a sério se não ficamos loucos. Loucura me lembra o Coringa que é um dos meus personagens favoritos. O Coringa de Nolan e Heath Ledger afirma que a loucura é como a gravidade, basta um empurrãozinho pra enlouquecer. Já o Coringa de a Piada Mortal do Alan Moore afirma que tudo que você precisa pra enlouquecer é de um dia ruim. Creio que ambos estão errados, tudo que você precisa pra enlouquecer é se apaixonar.
“ Você tá ferrada!”
“ Por que ?”
“ Você me dá ideias, e ideias não morrem, segundo o V do Alan Moore.”
Mostro a ela o rascunho do que estou escrevendo.
“ Mas você não era o Logan, agora o Coringa?”
“Ontem Logan, hoje Coringa, porque não posso ficar parado feito estátua, preciso de um texto por semana, você é minha cobaia até o fim do ano, e nos próximos anos, sucessivamente, nas próximas vidas e reencarnações, sucessivamente.”
Ela sorri, diz que adora o Coringa, que quis se fantasiar de Arlequina uma vez, mas o garoto se recusou a se vestir de Coringa. Afirmo que serei o Coringa dela quantas vezes for preciso. Mostro a imagem que irá ilustrar o meu blog com o nosso texto: O coringa beija Arlequina, ambos com a boca cortada e sangrando, abaixo a frase: “ why so serious, my love ?; Por que você está tão séria, meu amor?”. Ela diz que ama essa frase. Pergunto se somos almas gêmeas. Ela sorri, seu sorriso de deboche, não ficando vermelha dessa vez. Mantendo-se firme e não leva a sério nenhuma palavra que eu digo, porque acho que sou louco.
Enlouqueça junto comigo, meu amor, não fique tão séria.
Publicado no Literatura Amarga, abril de 2016.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Não olhe pra trás com rancor.



Não sei o que me causa mais dor, sua ausência, ou sua presença. A sua ausência me machuca por dentro e por fora, por dentro tem aquele vazio que doí, o oco no estômago e no peito, a palavra presa na garganta. Ia dizer, mas esqueci na metade e ficou sem sentido algum; perdida pra sempre no vazio do espaço. Daí sua imagem vai se apagando da memória, como uma fotografia desgastada pelo tempo. Do seu cheiro já não me lembro, nunca fui bom em olfato. O seu gosto ainda guardo resquícios na ponta da língua. O seu toque, esse é o que mais doí, a ausência dele. Já a sua presença é uma dor que não conheço em sua plenitude, porque fujo de você, como uma criança que foge da professora porque se esqueceu de fazer a lição de casa. Não por má educação, ou rancor, que atravesso a rua pra não cruzar de frente com você, tenho medo do seu olhar, da dor que ele pode me causar. Sei que é inevitável nós não nos trombar nessa cidade-ovo, mas busco criar meios pra adiar e evitar, assim eu não me quebro como uma frágil casca de ovo.
Aqui vou eu descendo a ladeira sem freios. Veja sem as mãos! Desço todas as ladeiras, desembestado, o vento no cabelo o deixa desarrumado, eu fico com cara de louco e pareço mais louco do que já sou. Mas eu ainda não consegui, por mais que tentei; ensinar o meu filho a andar de bicicleta, nem a sua. Só me orgulho de não ter feito promessas que não poderia cumprir.
Você se lembra de quando a gente ouvia o Oasis? Eu vidrado com a música Don’t Look Back In Anger; porque enfim tinha visto a tradução da letra e adorado. Nós dois buscávamos interpretar os versos traduzidos da música. Nós não sabíamos, mas a música era pra gente.
Por isso eu te digo, meu amor, não olhe pra trás com rancor. Quando a gente caminha, aos poucos nossa alma se afasta, vamos pra um lugar onde ninguém sabe se é dia, ou noite. Vamos deslizar o olho pra dentro da mente, lá vamos encontrar um lugar melhor pra brincar. Vamos começar uma revolução a partir de nossas camas, você disse que minha inteligência me subiu a cabeça, mas vamos passear lá fora, o verão está no auge. Nós não podemos esperar, sabemos que é tarde demais. Então tire esse olhar do rosto.
Você nunca irá queimar meu coração.
Publicado no site Literatura Amarga, abril de 2016

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Antes de dizer adeus


Na noite em que nos despedimos estava chovendo, talvez a Criação quisesse nos mostrar que as lágrimas que rolavam pelos nossos rostos não eram maiores que a águas que jorravam no temporal, que nossa dor não era mais forte que a tempestade lá fora, que riscava traços de luz no céu escurecido.
Eu hesitava em cada passo, pensando se era certo prosseguir. Diante da porta de sua casa me sentia a um passo do precipício, o vento que anunciava a chuva me dava calafrios. E aquele frio no estômago me acompanha há horas.
Na nossa despedida eu gostaria de segurar sua mão e fitar os seus olhos, decifrar qual era a cor deles no momento, se estavam azuis esverdeados, verdes azulados, depende da luz do sol, da lua, do seu estado de espírito. Mas meu esforço seria em vão, apenas iria constatar, mais uma vez, que não sei decifrar a cor de seus olhos.
Gostaria de trocar boas palavras com você, talvez às últimas, no entanto você sabe que as palavras fogem da minha boca quando mais preciso delas, por isso te deixei uma carta por debaixo da porta. Uma carta de despedida, mais uma prova da minha covardia. Do medo de encarar os seus olhos no derradeiro momento, e ver todas as minhas verdades se desmanchando no ar no instante que me lançasse um olhar triste. E assim, nunca iria te abandonar, mesmo sabendo que seu crescimento depende disso, talvez até mesmo sua felicidade. Já que costumo ferir as pessoas que amo.
E você não vai entender; vai me odiar por abandoná-la. Eu também me sentiria assim no seu lugar. Sempre houve um abismo entre nós, mesmo permanecendo lado a lado, ou um dentro do outro. Nossos corpos sempre se entenderam, dançavam no ritmo perfeito, mesmo eu não sabendo um passo de dança, pois a música tocava dentro de nós. Sei que longe de você meu corpo será castigado pela ausência do seu. Eu buscarei uma substituta barata para descarregar minha frustração, em noites regadas à álcool e música alta, e a decepção será maior ao ver que a garota nos meus braços não é você. E você fará o mesmo; desesperada em busca de diversão, apenas para esfregar na minha cara sua pseudofelicidade.
Vai demorar muito tempo até você voltar a falar comigo, e enfim perceber que foi melhor assim, quem sabe até me agradecer, por libertá-la, por encontrar um novo amor, que a ame sem medo, sem hesitações ou preconceito. Nesse instante irei admirá-la, como uma obra de arte exposta em uma galeria, protegida por um frágil cordão de isolamento, poderia ultrapassá-lo, mas não seria correto. Tenho orgulho de ter ajudado a moldar a obra de arte que você se tornou.
E mais uma vez constatarei que não sei decifrar a cor de seus olhos. Que te amo pela sua ausência. Porque amo o que não possuo, por isso abandono a tudo que amo.

Texto Publicado no site Literatura Amarga, abril de 2016

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Você Jean, eu Logan.




Você Jean, eu Logan.
                                                        
          Minha Lolita, como gostaria que você fosse Capitu e traísse o Bentinho. Mas não temos coragem de fato. Você é princesa, eu sapo; e por mais que me beijasse, eu nunca seria príncipe.
          Brinco que você é Jean Grey, ele Ciclope, eu Logan. Mas eu me corto nas minhas próprias garras, já estourei o fator de cura do meu coração. Por isso não chegue perto de mim com esses seus óculos e cara de nerd, não venha de cabelo molhado e banho tomado, assim você ainda acaba comigo, não há fator de cura que aguente. Não venha com fantasias de festa junina no próximo mês de junho, porque minhas fantasias não são de canjica, mas sim de vinhão.
           Escrevo um texto pra te arrancar um sorriso e um suspiro. No outro dia te vejo alegre e maquiada, mas sei que toda a sua alegria será descontada no Ciclope, preferia que ele me incinerasse com uma rajada. Te escrevo num guardanapo de papel na padaria, numa folha avulsa, numa tela de computador, mas na verdade gostaria de escrever com o dedo, um verso no suor da sua pele nua.
          Sua presença me causa dor e ao mesmo tempo alegria. Minha paixão platônica, minha Guerra-Fria, quero te atacar, não posso. Minha bomba atômica, explode meu mundo, nenhuma barata sobreviveria.
           Vamos formar uma dupla sertaneja chamada Jean e Logan. Cantar Boate Azul à meia-noite, só nós dois, pra lua.
           Tudo que eu mais queria é que você viesse séria dizendo: “Sou sua”. E não dissesse mais nada, que não estivesse completamente nua, porque queria tirar sua roupa como o laço de fita de um presente.
          Antes de penetrar o corpo é preciso penetrar a mente, no seu coraçãozinho deixar germinar uma semente, pra que vire broto, pra que vire flor.

          Pra um dia virar amor.

Publicado no site Literatura Amarga em abril de 2016.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Todo fim é um novo começo.




Ela vivia num céu azul, com nuvens rosa de algodão doce. Eu no céu nublado, tempestuoso. Ela seguia a estrada de tijolos amarelos, com flores nos canteiros. Eu perdido no labirinto de espinhos. Ela vivia no país das maravilhas, eu na migração pendular entre Macondo e Gothan City. Ela adormecida à espera do beijo do príncipe, meu pequeno príncipe morreu no fim. Meu conto de fadas era o Labirinto do Fauno. Ela sempre em busca de um carinho, eu tentando mostrar que toda rosa é bela, porém repleta de espinhos. Sempre odiei os Ursinhos Carinhosos, desde criança, queria fatiá-los com minhas garras de adamantium.
Ying Yang nos ensina que toda claridade tem seu canto de sombras e toda escuridão tem suas fagulhas de luz. Por isso não vamos buscar heróis, ou vilões, não sejamos maniqueístas. Nem vamos buscar culpados, a culpa é das estrelas. Vamos nos concentrar nas coisas boas, que como todas as coisas boas, duram pouco: um orgasmo, uma gargalhada, fogos de artifício no céu, o pacotinho de batata chips, o desenho feito na avulsa folha de papel. Não vamos nos machucar; cutucar a casquinha não deixa a ferida cicatrizar. Toda alfinetada deixa uma gotícula de sangue.
Embora nosso relacionamento tenha acabado da maneira mais madura possível, por indiretas no Facebook, não vamos carregar o peito de rancor, quem faz isso tosse dor, escarra ressentimento.  Por isso vamos pensar nas coisas boas, na gente conhecendo o corpo um do outro, como crianças que arriscam os primeiros passos; depois do equilíbrio alcançado, dávamos saltos mortais e  piruetas pra trás. Lembre que fui eu que te levei pra conhecer Curitiba e todo seu patrimônio cultural, embora eu desconhecesse que os museus e casas da cultura fechavam na segunda, pelo menos a gente  caminhou pelo Largo da Ordem, vazio feito salão no fim de baile. Pegamos o busão e erramos o ponto , mais que três vezes, perdidos no centro da capital, sem bússola, mapa ou bola de cristal. Te levei pra conhecer o Dalton Trevisan, embora ele tenha sido pouco educado conosco, você pôde ver a cara do Vampiro de Curitiba.
Então, meu amor, embora eu só tenha dito eu te amo uma vez; e a palavra tenha doído pra sair feito um parto, junto com ela saiu uma lágrima que brilhou no escuro do quarto, você não viu porque tava de bruços. Então siga seu caminho, se equilibre no alto da perna de pau, ande na corda bamba, sem medo da altura. Embora eu não tenha conseguido te ensinar a nadar, como prometido, coloque as boias no braço, que tenho certeza que você não irá afundar. Eu continuarei com meu andar bêbado, tropeçando nas pernas e nas palavras. Chegamos perto de encontrar o caminho, mas a estrada era ruim, chão batido e curvas sinuosas; o tempo instável. Então derrapamos nas curvas e depois atolamos. Quem sabe quando o tempo limpar, possamos seguir viagem, juntos, ou cada na sua própria estrada.
Publicado no site Literatura Amarga, março de 2016 e no Jornal Folha de Londrina 11/05/2016.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Um amor socialista.




Um amor socialista.

Ela sai às ruas de amarelo e grita fora PT, fora Dilma, fora Lula!  Impeachment! Eu saio às ruas de vermelho grito fora Moro, fora Globo, fora Cunha! Não vai ter golpe! Ela mora em Sampa, eu no mato. Ela já é famosinha, eu no anonimato. Ela levou uma garrafada de uns petistas, eu uns tabefes de um coxinha. Eu peço pra ela não sair às ruas, não se machucar mais, eu louco pra sair e apanhar mais. Ela não quer ficar em casa, quer ir à luta, eu imploro pra que fique; não vou às ruas, com os companheiros, apenas porque estou em horário de trabalho.
Ela é Capuleto eu Montéquio, ela lê Adam Shmith eu Karl Marx, eu no meu manifesto, ela na Riqueza das Nações. Eu imploro não faça guerra, faça amor, eu louco pra ir pra guerra. Nós dois em lados rivais, sem amor. O país pegando fogo, ela no olho do furacão, eu na brisa da província. Ambos são militantes de internet, ela de amarelo, eu de vermelho. Um país no meio, a história na frente. Quilômetros nos separam, a tecnologia nos une, na literatura, sintonia, mesmos autores, gostos parecidos, mesmo dia de coluna no site.
Eu peço, meu amor, por favor, não seja fascista, me ame socialista, seja altruísta, me ame como Mujica, não seja capitalista. Não nos conhecemos, só por foto, só por texto, nem a voz, um do outro; escutamos. 
Vamos à luta, um de cada lado, vermelho contra amarelo, em guerra aos moldes medievais, dois exércitos na iminência de se chocarem. A mídia incita o ódio, tudo conduz ao caos. Eu de um lado, ela do outro, rumo à colisão. As ruas podem ser manchadas de sangue, o arco-íris ficar preto e branco no céu. Nós se encontramos no meio dessa guerra, em busca de amor, antagonistas, querendo estar em um cenário de romance, no meio de um filme de terror.
Ao fundo a bandeira do Brasil pega fogo.

 Publicado no Folha de Londrina em Março de 2016


quinta-feira, 3 de março de 2016

A menina com alma de artista.




A menina com alma de artista.


Ela tem alma de artista, parece uma menina, mas já é uma mulher comprometida. Ela desenha, pinta e borda. Ela canta e toca, seus olhinhos brilham feito lua em noite de serenata. Ela é Lolita nos delírios de Nabokov, Capitu dos ciúmes de Bentinho, ela é literatura erótica e romance infanto-juvenil. Ela é duas em uma; todas em uma só. Mas no enredo em que está, será coadjuvante e não protagonista.
Fico imaginando ela com seu violão, eu gritando toca Raul! Ambos querendo ser uma metamorfose ambulante. A menina que ficou com o primeiro que botou uma flor em seu coração, sem se dar conta que ela é um jardim. Segurando seu buquê, sem razão ou porquê; às pressas como se fugisse da bruxa ou do lobo mau, nenhum cavalo por perto para roubá-la do altar. De noiva estava maquiada demais, cabelo em coque, não reconheci a menina que faz meu coração pular corda, mais linda estava com sua roupinha de festa junina. Essa sim, fiz questão de tirar fotografia, e guardar no bolso, no lado esquerdo do peito.
Eu a galanteio, ela fica vermelha, vermelho é a cor do amor, mas acho que ela é arco-íris, com o pote de ouro que eu nunca vou encontrar. Branquinha, ela é Branca de Neve, eu os sete anões, zangado porque ela foi embora com o príncipe. Eu sou uma mistura do Shrek com o Burro-Falante, ela um conto de fadas inteiro. Ela é a raposa do Pequeno Príncipe, que diz: “Tu serás eternamente responsável por tudo aquilo que cativas”.  Como cobrar dela o tanto que me cativou?  
De amarelo e azul, brinco que ela é funcionário dos Correios, eu o adolescente querendo entregar a cartinha de amor. Com medo da resposta, rasgar no meio, amassar em bolinha, mirar e arremessar, mal sabe que é meu coraçãozinho que vai ao lixo.  Ela é musa, eu poeta. Ela é mulher, eu a criança sondando atrás da porta. Ela é menina, eu o professor apaixonado pela aluna.

Ela pede um texto e dúvida, eu peço pra esconder e espero o estalo brotar na cabeça; se espalhar no peito e tomar o coração, e esse estalo vem quando ela sorri e me confessa que toca violão. 

Publicado no site Literatura Amarga em março de 2015